quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

A NOITE DAS ÁGUAS

 MEMÓRIA

#TBT- Ainda ontem em Cosmópolis...

OLHAR NA FOTO

25 de fevereiro - Casa das máquinas da Usina Ester


 25/02/1970
– Há exatos 51 anos – Nas imagens, as marcas da maior enchente da história de Cosmópolis, conhecida como “a noite das águas”.  Em destaque, a “Casa das Máquinas” da Usina Ester, parcialmente submersa pelas águas dos rios próximos, queimando maquinários e devastando setores da indústria açucareira.

Em muitas seções da Usina, complexo industrial e colônias, os acessos somente eram possíveis através de barcos. Nas imagens históricas, quem segue na poita do barco é o jovem Hidelbrando Bernacchi, o popular Brandão da Papelaria, então funcionário do setor elétrico da Usina Ester.

Segundo Brandão, nascido e criado na Fazenda Usina Ester, nunca havia acontecido uma enchente com tamanha  intensidade, “em poucas horas, as águas dos rios invadiram tudo”, declarou ao Acervo em 2011.

25 de fevereiro - Em destaque no barco, próximo da Casa das Máquinas, o jovem Brandão Bernacchi


NOITE DAS ÁGUAS, AMANHECER DAS LÁGRIMAS

25/02/1970 - Sobraram somente as vigas da "Ponte do Poção", submersas pelas águas do Jaguari 


 As chuvas dos dias anteriores, notadamente as pluviosidades da madrugada de 25 de fevereiro, superavam todas as enchentes registradas em Cosmópolis. Como enfatiza os boletins impressos da Usina Ester, publicados em março de 1970: “Voltávamos ao ano de 1929, porém, com muito mais água”.

O ano de 1929 ficou marcado como a primeira grande enchente registrada em Cosmópolis, ocasionando na destruição de partes do Paredão.  A “enchente de 25 de fevereiro de 1970”, superava todos os dados e marcas do passado.


Registros dos dias 22, 23 e 24 de fevereiro

22/02 - Marcas das águas na  Ponte Azul, a edificação foi levada pelo intenso fluxo do rio na madruga de 25/02.

22/02 - “Chuva, chuva, chuva, não quer mais parar de chover. Parece que iremos voltar à 1929, nunca choveu tanto assim em Cosmópolis, a cana cresceu nas últimas horas um palmo, vamos ter safra de oito meses.

Às 13 horas do dia 22, o Sr. Ebeling dá ordens para aprontar todas as talhas existentes na Usina Ester, e prepara-las para o pior. Em caso de perigo vamos usá-las para levantar as máquinas da Casa de Força”.

Primeiros dias de fevereiro de 1970 - Ponte sobre o Rio Jaguari, um dos principais acessos ao município de Americana e região rural de Paulínia. Na madrugada do dia 25 de fevereiro, as intensas  correntezas destruíram totalmente a  ponte. Foto Bruno Petch. 


Dia 23/ 02 - “A pinguela sobre o rio Pirapitingui não resistiu mais. O rio subiu 70 cm em menos de quatro horas, e outra forte pancada de água à cair. Vai mesmo voltar à 1929, precisamos prever o impossível, mas já provável.


Às 14h30min o senhor Maia chega à Usina pedindo apressadamente cordas e câmaras de ar para salvar um homem que caiu da ponte do Pirapitingui” (...).

Outros incidentes de auxilio foram registrados durante a semana, deixando em prontidão as equipes de salvamento.

  

Ponte sobre o Rio Jaguari em duas fases

Estiagem de novembro de 1969 - Ponte sobre o Rio Jaguari, acesso as colônias da Granja
Foto  Dorival Batista de Moraes 

23 de fevereiro de 1970 - Ponte sobre o Rio Jaguari, um dia antes da destruição pelas águas
Foto  Dorival Batista de Moraes 

Dia 24/02 - “As notícias na região são alarmantes. O Dr. Paulo Neto colocou um jipe à disposição do prefeito de Cosmópolis -Willy Luiz Neumann- Bube-  para que ele possa verificar a situação geral do município. ”

O jipe , um dos veículos especiais da Usina Ester, era a única condução adequada
 para transitar nas vias cobertas de lama, ocasionados pelos desmoronamentos em vários pontos de Cosmópolis.

“Às 15h30min horas. O senhor José Toledo vem correndo da Represa, dizendo para providenciar imediatamente pessoas com ferramentas e sacos vazios para fazer uma barragem lá. O paredão corria o risco de desmoronar totalmente” (...). 

Os grandes sacos de açúcar, confeccionados de algodão e juta, eram cheios de areia e costurados, criando barragens para impedir o avanço das águas.

“Gente trabalhando em todos os lados, quando chega notícias da casa de força, faltava menos de 1.60 metros para a água invadir o salão das máquinas. A situação está perigosa” (...).

“Às 19h. Está escuro mais os serviços na ponte continuam. Na casa de forças faltam 1.40 para a água entrar. O senhor Ebeling dá a seguinte ordem: “no momento em que faltar 1 metro vamos parar os geradores e iniciar os trabalhos para levantar as máquinas. Chamou o senhor Carlos Capraro e informou a respeito, ele deve comparecer com todos os carpinteiros. O Dr. Paulo Neto foi até a represa e ficou impressionado, faltavam menos de 1,26 metros para às águas invadirem a casa de força.” (...).

1955 - Ponte de Ferro sobre o Rio Jaguari, em destaque a antiga sustentação central da edificação, levada pelo impacto dos destroços de outras pontes - Acervo família Zé da Peggê


Janeiro de 2018 - Ponte de Ferro sobre o Rio Jaguari - Foto Grupo Filhos da Terra


  A cidade amanhecia em pânico, com inúmeros pontos de alagamentos, casas invadidas e assoladas pelas águas do Ribeirão Três Barras, Baguá. Desmoronamentos das encostas do Morro Castanho, impediam os tráfegos na estrada para Limeira e Artur Nogueira. As casas da “Colônia do matadouro”, localizada na região do CRTC (Centro de Referência do Trabalhador de Cosmópolis), estavam parcialmente cobertas pelas águas do Baguá,  inúmeras construções próximas do rio tombaram. A recém construída ponte do matadouro, região da atual fábrica dos refrigerantes Furlan, era destruída pela força das águas.


O fluxo das águas derrubavam três pontes sobres os rios Jaguari e Pirapitingui, deixando ilhada a Fazenda Usina Ester. Centenas de colonos, principalmente da Granja e Saltinho, ficavam reclusos.

O jornal semanário ACP (União impressa de Artur Nogueira, Cosmópolis e Paulínia), noticiava duas mortes por afogamento naquela fatídica madrugada. Eram dois operários da Refinaria do Planalto (Replan), ambos migrantes da Bahia contratados pela Petrobras, residentes em uma moradia coletiva na região do bairro Cascata, próximo do Rio Pirapitingui.

Um sitiante tentando atravessar a ponte sobre o Rio Pirapitingui, parcialmente submersa, foi arrastado pelas correntezas. O homem sobreviveu, o cavalo morreu nas águas do rio, sendo encontrado o animal  preso aos destroços da carroça.

A ponte, então localizada na velha Estrada de  Campinas (atual SP-332- Professor Zeferino Vaz), era o único acesso ao município de Cosmópolis. Devido ao estado de calamidade total, o então prefeito Bube Neumann e proprietários da Usina Ester, José Bonifácio Coutinho Nogueira exercia o cargo de Secretário de Meio Ambiente (atual função de Ministro), acionavam o auxílio emergencial das forças do exército.

Na época, a central de comandos do Exército ficava em Paulínia, então decretada cidade de segurança nacional, devido as obras da Petrobras. Uma força tarefa do exército, composta por soldados e engenheiros, chegavam na tarde do dia 26/02.

A cidade inteira unia-se em auxílio da Fazenda Usina Ester e seus moradores, assim como aos residentes da região do Baguá, assolados pelas águas, criando um dos maiores grupos de apoio humanitário da história cosmopolense.

“Até Deus sensibilizou do povo cosmopolense, a chuva cessou, surgindo um sol extremamente forte nos dias seguintes, secando rapidamente o lamaçal criado pelas águas. Os rios abaixavam vagarosamente, possibilitando os acessos à Usina e Cosmópolis.
 

Onde as águas passavam, em uma cor marrom intensa, marca da terra vermelha, deixavam rastros de destruição. 

As pontes, projetadas por habilidosos construtores, foram destruídas como um jogo de dominó, uma levando à outra. Foram dias de muito lamento, tristeza realmente, porém, dias marcados pela união de todos. Um fato ainda mais marcante, marco dos cosmopolenses, foi o auxilio e amor ao próximo”, declarou Dr. Paulo Nogueira Netto (memória), sobre a grande enchente de 1970, em entrevista ao Jornal de Paulínia em 2015.

2013 - Destroços da antiga barragem do Paredão no Rio Pirapitingui, a força das águas foi tamanha que destruiu a casa de força e  parte da estrutura do paredão


“Como esquecer fevereiro de 1970, o dia 25 e os dias anteriores!! Nasci em Cosmópolis, meus pais e avôs aqui viram nascer essa cidade, nunca havia acontecido uma situação como tal. Superou 1929, transformando a grande enchente em garoa. Choveu demais, choveu muito, sem parar e forte.

 Não fosse a união de todos, muitas pessoas morreriam. Fomos rápidos, e prevíamos o pior. As colônias próximas do Jaguari e Pirapitingui, houve casas levadas pelas águas, as paredes velhas de barro, pareciam pedaços de bolos desfarelando. 

Os bombeiros da Usina salvaram muitas pessoas, gente que tentava atravessar, e que era levada pelas águas. Vi crianças sendo puxadas pelos valorosos bombeiros da usina. Deus teve piedade de nós, misericórdia, ouvindo nossas preces”, relatou Leonel Rodrigues (memória), ex-vereador e então funcionário da direção da Usina Ester, em nota de 2001 ao Acervo Cosmopolense.


No dia 02 de abril, uma quinta-feira, o Monsenhor João Batista Maria Rigotti, realizou uma missa e procissão em ação de graças pelos livramentos ao povo cosmopolense, reunindo centenas de pessoas na região central. A união dos moradores e trabalhadores da Usina Ester, evitou uma tragédia maior, assim como auxiliou os aflitos prejudicados pela “Noite das águas”.

 

Texto Adriano da Rocha

Fotos Acervo Usina Ester, Bruno Petch, Brandão da Papelaria, Acervo Zé da Peggê, Dorival Batista de Moraes e Grupo Filhos da Terra

Comentários
1 Comentários

1 comentário:

Unknown disse...

Sou filha da Usina Ester, nasci em março de 1971, porém sempre ouvi essas histórias contada pelos meus pais e avós. Foi lamentável, mas a união do povo fou esplêndida. Isso numa época sem tantos recursos. Viva a nossa gente!!!