MEMÓRIA
USINA ESTER 123 ANOS
Por meio do idealismo
de um paulista, visionário e desbravador pela ascendência bandeirante, nasceu
uma das maiores usinas canavieiras do mundo, e nas suas margens, uma das regiões
mais prósperas do Brasil.
Foto pintura paulista do Major Arthur Nogueira Ferraz |
Nome de cidade, praças públicas, imponente edifício e
conjunto comercial paulistano, referência industrial e agrícola do passado. Ao
completar os 123 anos de fundação da Usina Ester, oficialmente inaugurada em 02
de março de 1898, nossas reminiscências ao Major Arthur Nogueira Ferraz, entre
os principais responsáveis pelo estabelecimento deste singular grupo
agroindustrial, bem como, o desbravamento e colonização de várias cidades da
região.
MAJOR DA USINA E COSMÓPOLIS
1916 - Complexo industrial da Usina Ester, gestão do Major Arthur Nogueira, destacando a chegada dos trenzinhos canavieiros da Carril Agrícola Funilense |
Um personagem emblemático, sempre recolhido ao trabalho e empreendimentos, raramente fotografado e relatada sua história pessoal, reservada em raros documentos pelos familiares.
O título major foi estabelecido por uma carta-patente do
presidente Campos Salles, seu primo e amigo, a mesma que intitulou coronel o
irmão José Paulino Nogueira.
Os títulos militares
na primeira república, sendo a família Nogueira Ferraz uma das proclamadoras,
assemelhavam-se as antigas nomeações monárquicas de Barão, Conde e Visconde. Basicamente,
Major era um representante direto do poder paulista, estado e prefeitura, e
coronel do poder federal.
Nos documentos públicos, como os acervos dos jornais Correio Paulistano e Estado de São Paulo, os quais foi acionista e um dos responsáveis pelos custos das fundações, são noticiados sua liderança nos comandos da nascente Usina Ester.
Outras inúmeras citações nos jornais, constantes nos primeiros anos de 1900, são
as viagens para a Europa. Não eram passeios, turismo ou luxos garantidos por uma
das maiores fortunas de São Paulo, mas sim, buscando trabalhadores para a Usina
Ester e fazendas da família.
1899 - Major Arthur Nogueira Ferraz, Cel. Silva Teles e Sidrack Nogueira Ferraz, em viagem pela Itália, possivelmente Vêneto. |
O próprio Major Arthur Nogueira fretava navios, gigantescos
vapores, financiando o transporte dos imigrantes ao Brasil, e até custeando as
alimentações dos futuros colaboradores. Tinha predileção pelos italianos,
sobretudo de Vêneto e região, os quais considerava os mais semelhantes ao povo
paulista, devido a simplicidade e honradez aos trabalhos.
Nas viagens em busca de trabalhadores italianos, apoiadas
pelo governo estadual e federal, estreitou a amizade do Brasil com a Itália,
sendo um dos principais responsáveis pela imigração de milhares de italianos ao estado de São Paulo.
1900 - Cartão postal divulgando terras cosmopolenses na Itália, propaganda paulista para atrair imigrantes para o Estado. |
A Usina Ester, como seus grupos agrícolas e industriais, nasceram do empreendedorismo do Major Arthur Nogueira Ferraz, principal responsável pela ampliação das terras, criação do complexo industrial, e modernização agrícola e cientifica da cana de açúcar, financiando estudos científicos e pesquisas.
A "Villa de Cosmópolis" surgiu pela motivação do Major Arthur
Nogueira, um projeto apoiado pelos irmãos, bem como pelos acionistas da Usina
Ester e Carril Agrícola Funilense.
O mesmo empenho em criar a Usina Ester, buscando maquinários
modernos na suíça e químicos, locomotivas na Inglaterra para o transporte agrícola,
e os milhares de imigrantes, impulsionavam o nascimento de Cosmópolis, como
outras "villas", ao exemplo da futura cidade de Artur Nogueira. Autorizado pela Prefeitura
de Campinas, doou as terras ao município, loteando os terrenos, e projetando a
futura Villa de Cosmópolis.
Idealizações dos tempos da mocidade, quando sonhava ser
prefeito de Campinas, como o irmão José Paulino, que ocupou cargos de vereador,
presidente da câmara e prefeito intendente. Não obtendo apoio político,
sobretudo pelas divergências do Major com os partidos, fundou a Villa de
Cosmópolis, intitulada pelo constante progresso industrial e agrícola como a “Nova
Campinas”.
PAI DOS POBRES E AFLITOS
Em Cosmópolis, era conhecido como o “pai dos pobres”, título
atribuído popularmente pelos moradores da “villa” e região Funilense, como dos
milhares de funcionários da Usina Ester.
A nomeação, como uma
exaltação ao Major Arthur Nogueira, surgiu pelos auxílios aos doentes de varíola,
febre amarela e tifoide, infectados em grandes epidemias que assolavam
Cosmópolis e região. Uma iniciativa do Major Arthur Nogueira, o irmão José
Paulino e a sobrinha Esther, surgia a sociedade do Mútuo Socorro, criada para
amparar os doentes das pestilências, custeada quase totalmente pela família
Nogueira.
Através do Major Arthur Nogueira, não medindo esforços e
recursos próprios, o renomado Dr. Adolfo Lutz, um dos maiores epidemiologista
do Brasil, foi convidado para inspecionar as situações sanitárias de Cosmópolis.
Outro motivo da nomeação de “pai dos pobres e Cosmópolis”,
surgiu por empregar todos que buscassem sua ajuda, amparando famílias inteiras
nas colônias da Fazenda Usina Ester. Bem como a sobrinha Esther Nogueira,
ajudava inúmeras famílias carentes, apadrinhando crianças, financiando obras assistências
da comunidade católica, porém, sempre em anonimato total, o qual exigia
severamente, não aceitando citações do seu nome.
Viveu para a Usina Ester, como para sua querida Cosmópolis, na “pequena grande villa” (então com as terras abrangendo as atuais cidades de Artur Nogueira, Holambra, Paulínia, Americana, dentre terras da região rural de Limeira), exerceu inúmeras funções administrativas. Foi o primeiro juiz de paz, delegado (chefe do posto policial), escrivão, representante das companhias paulistas de luz, telefonia e bancos, como subprefeito do distrito.
CAMPINEIRO, UM BANDEIRANTE MODERNO
Nasceu em Campinas, região da Basílica de Nossa Senhora do
Carmo (marco inicial da cidade), em 11 de dezembro de 1861. Um dos 12 doze
filhos do casal Gertrudes Eufrosina de Almeida Bicudo Nogueira
Ferraz (Dona Tudinha) e Luiz Nogueira Ferraz, irmão do inolvidável Cel. José
Paulino Nogueira Ferraz, um dos maiores nomes da política e indústria paulista,
considerado o “Mauá da República”.
Na sequência de textos, dois históricos relatos sobre o Major Arthur Nogueira, extraídos
do diário de Paulo de Almeida Nogueira, esposo de Esther Coutinho Nogueira, e o
amigo Senador Carlos Botelho, um dos primeiros secretários de agricultura de
São Paulo, e figura importante na grande epidemia de Febre Amarela em Campinas.
Ao lado do Major Arthur Nogueira, Cel. José Paulino (então prefeito de Campinas),
instituiu as sociedades de Mútuo Socorro, criada para amparar os doentes das pestilências.
“Foi o Major Arthur Nogueira, inquestionavelmente, um desses
tipos que bem encarnaram as qualidades da raça bandeirante (paulista): energia,
arrojo, pertinácia, espirito empresarial. É certo que a ele devemos a nossa
bela e querida Usina Este. O seu empenho, atividade e esforços, é que tornaram possível
a compra do bloco de terras da Fazenda do Funil, que hoje se alteiam as instalações
da Usina.
A esse tempo, a atual zona de Cosmópolis era um verdadeiro
sertão, isolado entre Campinas, Limeira e Mogi Mirim, cidades a que se achava
ligado por extensas estradas, muito mal cuidadas.
Era um sertão despovoado e inculto. Desbravou-o o Major, com
mão firme e denodo.
Dotado de uma saúde de ferro, invejável capacidade de
trabalho e de uma energia que, as vezes se excedia a si mesma, pode ele
realizar com êxito tão áspera missão.
Mercê daqueles mesmos dotes pessoais, implantou o Major, na administração
da nascente Usina Ester, a mais absoluta ordem e o mais rigoroso respeito.
Bondoso e justo,
logrou ele captar geral estima, tanto na Usina, como em Cosmópolis e região.
Decidido, jamais encontrava dificuldades nas realizações então necessária, por
mais árduas que se apresentassem.
1909 – Represa e Paredão, retratados em cartão postal de circulação internacional. Ao lado esquerdo, está o Major Arthur Nogueira, idealizador das obras
Nos primórdios da Usina Ester, teve ele de defrontar-se com
situações terríveis, porque, não raro, tudo faltava, inclusive os recursos
materiais indispensáveis. Mas tocava tudo para frente e a obras se concluía.
Não era o que vulgarmente se chama um administrador econômico.
Tanto que, por mais de uma vez, esteve
em perigo. Mas tão assinalados foram seus serviços na Usina Ester, que essa, em
pleito de reconhecimento, lhe erigiu um monumento, num de seus mais belos
recantos.
Com mais predicados de homem de empresa, natural era que a
personalidade do Major Arthur Nogueira não ficasse confinada ao âmbito de uma
sociedade particular, embora importante.
E que não sociedade o ficou, bem atesta o discurso que
julgamos oportuno transcrever abaixo proferido no Senado do Estado de São
Paulo, na sessão de 15/09/1924, pelo Dr. Carlos Botelho:
1906- Complexo industrial da Usina Ester, destacando a chaminé inaugurada em 1905 |
E foi assim que, lançado as minhas vistas de Secretário da Agricultura
para o município de Campinas, encontrei naquela região um solo fértil, extenso,
convidativo para o desenvolvimento da ação oficial. É verdade que esse torrão
se achava como que isolado para receber certaras influencias indispensáveis que
mais intensamente pudessem impulsionar o seu progresso, como por exemplo as
comunicações de estradas de ferro.
Não direi propriamente que faltassem estradas de ferro nessa
zona do Estado: e entre estas uma existia, que naquele tempo se chamava Estrada
Funilense, e que partindo de Campinas, ia ter ao Funil, ode, todos sabem existia
uma manifestação já antiga da ação oficial, com a fundação do Núcleo Colonial
Campos Salles.
1896 - Apresentação da Fazenda do Funil aos irmãos Nogueira Ferraz e associados, guiados pelo Cel. João Manuel de Almeida Barboza, então proprietário, e o Barão Geraldo de Rezende.
Sr. Presidente, quando assumi o cargo de Secretário de Agricultura, este núcleo se achava em plena decadência; alguns lotes mais privilegiados, se achavam ocupados; mas a maior parte deles se achava em abandono, bastando acentuar que as casas construídas com fim especial de abrigar os imigrantes, se achavam transformadas em estrabarias, aos serviço dos habitantes mais próximos do núcleo.
Relembro esse fato, sr. Presidente, para mostrar que naquele
tempo os governos achavam que era indispensável construir casa para o abrigo
das famílias de imigrantes que se dirigissem aos núcleos.
Assim se pensava naquela época, mas assim deixei também de
pensar, porque entendo que todo o imigra te, todo o trabalhador, toda a família
bem organizada, com intuitos sério de radicação antepõem a melhor rega do seu
suor em favor da sua primeira habitação que, choupana ou palácio, é sempre alegre
e sugestiva de maiores feitos.
Então, com ensinamentos de tal ordem, a administração contentou-se
apenas com a construção de alojamentos coletivos, para hospedagem.
E era de ver, sr. Presidente, com que ânsias se despediam os
novos inquilinos para se mudarem para as suas construções, quase sempre
originais e sugestivas dos costumes pátrios.
Entretanto, a ação oficial não se achava isolada, pois que
um paulista modesto, mas digno desse nome, ao seu lado sempre estava com sua
ação alerta e progressista.
Na mesma zona levantava ele os alicerces de uma usina, a
Usina Ester, com horizontes vastos e elevada compreensão do problema – pois que,
em vez de seguir a rotina que apena se contentava com o velho sistema da
compreensão cilíndrica da cana, - o paulista a que me refiro lançou mão de
pouco racional da difusão, que ali serve exemplo para o Brasil Inteiro.
Embaraçada com toda zona do Funil, com falta de transporte,
apelou para o governo, que ouviu as queixas de todos e, sobretudo, desse
usineiro tão perito quando progressista. Veio em seu auxilio, mandando alargar imediatamente
as bitolas da Funilense que, deficiente, entorpecia todos os movimentos da
zona.
Começou então o progresso da região e a se fazer por tal
forma que, dia a dia, eram patentes os resultados obtidos. Essa usina tornou-se uma das maiores do nosso
Estado. Cosmópolis, que lugarejo apenas era, veio as ser centro intenso de
povoamento, tanto quanto o núcleo Campos Salles.
O progresso foi tal, sr. Presente, em virtude desse
melhoramento da E.F.Funilense, que outras terras foram adquiridas para
satisfação dos que as procuravam.
A administração, por sua vez, já adiantada em suas concepções,
quando ao modo de povoar, compreendeu que a ação oficial já não era suficiente
e que o novo sistema de associar-se ao particular para o mesmo fim daria
melhores resultados, com ser mais econômico.
Mais uma vez, pela clarividência, desse mesmo paulista a que
me venho referindo, terras foram picadas, para dar criação ao que se chamou “Secção
Arthur Nogueira”. Os resultados foram admiráveis e o novo sistema se fez
definitivo, ao ponto de se estender pela região Noroeste, onde sabemos que se
faz o povoamento exclusivamente por iniciativa particular, como bem pode
afirmar o nobre senador sr. Rodolfo Miranda (..)
1919 - Visita de autoridades na Casa das Maquinas da Usina Ester, usando branco, é o Major Arthur Nogueira Ferraz
Sua existência só lembra fatos que o adornaram, ao ponto de,
além de colaborador eficiente das administrações públicas, haver-se feito
chamar de o “pai da pobreza de Cosmópolis”; e o que efetivamente, porque distribuía
trabalho para todos, quando não fazia entrar em ação recursos próprios, ajudando
anonimamente incontáveis famílias.
Artur Nogueira, o extinto, ao pronunciar seu nome naquela
região, causa comoção e gratidão. Porque, sr. Presidente, houve uma época que a
região do Funil foi assolada por uma grave epidemia de impaludismo, tão grave
que a ação oficial foi pedida com premência, e ela não se fez esperar, para
acertadas medidas, jugular tão mortífera pestilência. Então o Major Arthur
Nogueira, foi o braço musculoso sobre o qual teve a ação oficial de se apoiar,
como pode dar testemunho o ex-secretário do interior da administração do
governador dr. Altino Arantes” (...).
Sobre a morte do Major Arthur Nogueira, escreve Paulo de Almeida Nogueira
Foto pintura do Major Arthur Nogueira Ferraz, retratado nos últimos anos de vida |
05/08/ 1924 - “Voltamos cedo, Esther, eu e as crianças, com tempo de assistir a seus últimos instantes, que foram apavorantes. Ao anunciar o falecimento de Arthur, muito sentido, Dr. Fessel, seu médico assistente e amigo, mostrava como foi dedicadíssimo”.
6/08/1924 – Enterro do Major Arthur Nogueira, com grande
acompanhamento, tendo vindo de Cosmópolis dezenas de pessoas, seus empregados e
amigos, os quais fizeram questão de levar o corpo, a mão, até a saída da cidade
(o Cemitério da Saudade ficava na terminação do município Campinas).
Perde a Usina Ester um dedicado gerente todos nós, seus
companheiros e familiares, sentimos a perda de um grande amigo de todos “.
Major Arthur Nogueira Ferraz faleceu em 05 de agosto de 1924, aos 62 anos de idade, vitimado por problemas gastrointestinais. Não deixou filhos, revertido seu patrimônio aos familiares.
Não deixou filhos, mas como contestar sua paternidade destes legítimos e amados filhos,
a Usina Ester, Cosmópolis e Artur Nogueira, seus maiores legados como pai.