Um marco comercial na história da região metropolitana
Texto e fotos Adriano da Rocha
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1910/
Trem da Companhia Funilense desembarcando na Estação do Mercadão de
Campinas, então denominada Estação Carlos Botelho. No registro feito
feita Casa Genoud, o cartão postal com circulação mundial, mostra o trem
de passageiros vindo da Estação Barão Geraldo, uma das estações que
antecediam a Estação de Cosmópolis |
Em 12 de abril de 1908, uma manhã de sexta-feira, há exatos 109 anos
completados hoje, a Prefeitura de Campinas tomava posse do Armazém
Agrícola da Companhia Carril Funilense. Depois de meses de reformas e
adaptações, o prefeito Orozimbo Maia oficialmente inaugurava naquele
local o Mercado Novo, o popular Mercadão de Campinas.
Surgia uma
das mais importantes referências comerciais do Estado, um marco
histórico não apenas de Campinas, mas na vida de milhares de pessoas da
região. A verdadeira história deste magnifico prédio é quase
desconhecida, assim como suas raízes com o surgimento da Cia Funilense e
da cidade de Cosmópolis.
O INÍCIO DA HISTÓRIA
Localizado na
baixada campineira, antiga região central, a edificação foi construída
em posição estratégica, próximo as estradas que ligavam Campinas as
Fazendas Santa Genebra, Rio das Pedras, São Quirino, Moro Alto
(Paulínia), e Funil (Cosmópolis), propriedades dos fundadores da
Funilense, Barão Geraldo de Rezende, João Manuel de Almeida Barbosa e
família Nogueira.
A majestosa construção foi projetada pelo
Escritório Ramos de Azevedo, a pedido do Barão Geraldo de Rezende (primo
de Ramos) e da família Nogueira. A construção seguia um estilo
arquitetônico que dominava a Europa, o Neoárabe. Linhas pouco vistas na
Campinas do início do século 20, algo único e sem igual no interior.
Campinas possuía cerca de 35 mil habitantes, distribuídos nas aéreas
urbanas, rurais e distritos.
Inicialmente o prédio recebeu o nome
de Luiz Nogueira Ferraz, importante fazendeiro e patriarca da família
Nogueira (pai de José Paulino e Major Arthur Nogueira).
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1910
/ Um dos primeiros registros do Mercado Novo, o popular Mercadão de
Campinas. Foto postal com circulação mundial feita pela renomada Casa
Genoud de fotografia e impressos |
PROJETO INOVADOR
O prédio com mais de 3 mil metros de construção, possuía extensa área
de estocagem com capacidade para milhares de sacas. Ramos de Azevedo
criou no prédio um sistema inovador de ventilação para época,
preservando as produções agrícolas e mantendo um clima estável nas
dependências do armazém.
Os detalhes arabescos na construção,
como pequenas muralhas de um castelo medieval, visto apenas como
ornamentos no prédio, constituem elaborado sistema de ventilação
projetado por Ramos.
No alto dos telhados, entre as paredes de
sustentação, várias saídas de ar feitas na alvenaria como janelas
abertas, facilitam a entrada e a saída do ar. O mesmo sistema foi criado
no Mercado Municipal de São Paulo, também projetado pelo arquiteto.
Na aérea externa do prédio, quase 7 mil metros quadrados, existia uma
ampla aérea ferroviária, com estação destinada ao desembarque e
estocagem das produções agrícolas, assim como aérea restrita ao embarque
e desembarque de fazendeiros, barões e altos acionistas da Funilense.
Simultaneamente no mesmo período, os operários do Escritório Ramos de
Azevedo construíam em Cosmópolis o complexo industrial da Usina Esther, o
Sobrado Irmãos Nogueira (demolido em 2011) e a antiga Igreja Matriz de
Santa Gertrudes (demolida em 1958). As obras em Cosmópolis eram todas
projetadas por Ramos de Azevedo e, inspecionadas pelo nascente
Escritório Dumont Villares, de propriedade da família do celebre
inventor Santos Dumont.
DO INTERIOR PARA CAPITAL
A
edificação servia como uma central de estocagem das produções agrícolas
das fazendas pertencentes aos associados da Companhia Funilense. Os
produtos estocados no local seguiam até uma estação no Guanabara, onde
eram enviados pelos trens da Companhia Paulista para Capital, seguindo
para o embarque e exportação em Santos.
Neste período o destaque
principal era para o açúcar produzido nos engenhos da Usina Esther,
puro sem refino, e o café em grãos das centenárias fazendas da região,
transportados em gigantescas sacas confeccionadas de algodão. Outro
destaque nos vagões puxados pelos trens, eram as produções dos núcleos
coloniais da nascente Villa de Cosmópolis. Essa produção colonial, por
ser perecível, era comercializada em Campinas e cidades circunvizinhas.
FUMO E ANANÁS ERAM OS DESTAQUES COSMOPOLENSES
As lavouras dos colonos germânicos, italianos e espanhóis, dos Núcleos
Campos Salles, Floriano Peixoto, Santo Antônio e Nova Campinas, ganhavam
notoriedade pela qualidade e a grande produção das terras. A
agricultura dos núcleos tornou-se até cartão postal paulista no mundo,
registros feitos por renomados fotógrafos como Guilherme Gaensly.
O destaque o cultivo do abacaxi ananás (região da Escola Alemã era a
maior produtora), mandioca, algodão (Santo Antônio e Núcleo Floriano
Peixoto) banana e fumo. Na produção de fumo, Cosmópolis chegou a ser uma
das maiores produtoras brasileiras, mas com a expansão das lavouras de
cana e o incentivo gerado pela Usina aos colonos, que tornavam-se
fornecedores diretos da indústria açucareira, as lavouras foram sendo
extinguidas.
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2016/
Vista parcial do Mercadão de Campinas, no ponto do registro a entrada
principal do complexo comercial projeto por Ramos de Azevedo |
A VENDA DO ARMAZÉM
Dívidas exorbitantes com a
prefeitura, inúmeros empréstimos não saldados, obrigavam a Funilense a
desfazer de vários dos seus principais patrimônios. Os associados vendo o
fim do sonho de criar a maior companhia carril agrícola do Brasil,
começavam a abandonar o empreendimento. A prefeitura de Campinas e o
poder público Paulista apertavam o cerco para o pagamento das dívidas.
Ações e patrimônios da Cia eram vendidos para saldar dívidas, sócios
vendiam suas partes para não ter seu patrimônio particular comprometido
com as execuções fiscais.
Neste período a família Nogueira
adquiriu parte das locomotivas de escoamento de produção, modernas
máquinas importadas da Inglaterra, os populares trenzinhos canavieiros.
No acordo feito pelo Major Arthur Nogueira, também eram adquiridas
estações como a do Guatemozin, e áreas férreas construídas pela
companhia nas terras da Usina.
Entre as execuções fiscais, uma
marcava tragicamente a história da Funilense. Para saldar as dívidas da
Funilense, o governo entrou com o pedido de leilão da Fazenda Santa
Genebra, então propriedade do Barão Geraldo de Rezende, maior acionista
da Cia. Em 01 de outubro de 1907, com 61 anos, o Barão cometia suicídio
em seu escritório no Casarão da Fazenda. Um ato para não entregar a
propriedade ao governo, a qual foi estabelecida como garantia das
dívidas da Funilense.
Para quitar as várias dividas com a
prefeitura e a Câmara Municipal de Campinas, o prefeito Orozimbo Maia
adquiriu o armazém da Funilense, transformando o local em mercado de
abastecimento agrícola, o novo mercado de Campinas. Na reforma foram
criados espaços para a comercializam de produtos, divididos em blocos,
assim como uma estação de embarque e desembarque de passageiros, nomeada
de Carlos Botelho.
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2016/
Local onde existia a antiga estação de embarque e desembarque da
Companhia Carril Funilense. Deste ponto o trem seguia até a Estação do
Guanabara, seguindo novamente para a Villa de Cosmópolis |
A FALÊNCIA E O FIM DA ESTAÇÃO
Com a
falência a Fulinense, os trilhos e estações foram incorporados a
Companhia Sorocabana, sendo oficialmente estabelecida em 1921. No ano de
1924, o prédio do Mercadão de Campinas extinguia a antiga Estação da
Funilense (Estação Carlos Botelho). Os trilhos da antiga estação que
seguiam do Mercadão até a Estação do Guanabara, eram transferidos para
outra estação em construção.
A mudança criada pela Sorocabana
trazia um novo trajeto aos passageiros vindos de Cosmópolis e demais
cidades da malha Funilense, sendo inaugurada em 1924 a Estação do
Bonfim. A nova estação recebia os passageiros da antiga malha Funilense,
sendo criada para a chegada do ramal de Campinas, vindo de Mairinque.
No local da Estação da Funilense, foi criada pela prefeitura ponto de
carga e descarga de produtos, transportados por carroças, charretes,
troles e automóveis.
Próximo ao local, as jardineiras da Auto
Viação Cosmópolis, Caprioli e demais empresas de transporte, utilizavam a
aérea como ponto de embarque e desembarque de passageiros.
Texto e fotos Adriano da Rocha