quarta-feira, 27 de março de 2024

Dia Nacional do Circo

MEMÓRIA CULTURAL

 Circos, teatros, rodeios e touradas, a cidade dos espetáculos populares

Rota das grandes e pequenas companhias, Cosmópolis foi referência cultural na região 


“Oh raia o sol, suspende a lua, olha o palhaço está na rua. Chegou o circo !!”. 

Tradicional bordão apregoado pelos carros de sons e palhaços corneteiros, anunciando a chegada de mais um circo em Cosmópolis.  Sempre proclamado pelos famosos desfiles de chegada, uma grande carreata de apresentação da companhia circense aos moradores da cidade.

 Cruzando a Rua Campinas, então, acesso principal de vinda das outras vilas e cidades da região, desfilavam artistas e as frotas de veículos dos circos. Seguindo para a Avenida Ester, transitavam carroções puxados por cavalos, ornamentados com flores e adereços nos animais, carros simples de uso dos trabalhadores, aos modernos e luxuosos automóveis da época, sobressaindo os astros da companhia.

Comboiavam caminhões adaptados com jaulas especiais para destacar os animais exóticos, transportando leões, tigres, macacos, zebras, cavalos, e até gigantescos elefantes.

Em uma jaula exclusiva, montada cenicamente  para impressionar os olhares mais atentos, um extraordinário animal, perigoso e raro, emitindo sons aterrorizantes. A atração exótica, era anunciada pelo mestre de apresentações nos alto falantes, causando curiosidade e medo.

  Na verdade, era um ator caracterizado de gorila, usando uma monstruosa máscara, realçando os grandes dentes pontiagudos na enorme boca, vestindo lã de carneiro tingida de preto, arremedando o lendário “King Kong” dos cinemas.  Tudo para atrair as atenções dos moradores, o público pagante dos espetáculos.

 


Outros caminhões carregavam enormes toras de madeira e ferramentas, indispensáveis para estear e montar os pavilhões, toneladas de lonas coloridas, e as icônicas barracas de doces, brinquedos e jogos.

No fim da carreata, entregando convites e brincando com os moradores, caminhando, escoltavam artistas da companhia circense, como os mirabolantes palhaços, trapezistas, apresentadores dos espetáculos e dançarinas.

Cada circo possuía sua proeminência, alguns com grandes companhias de artistas, animais e parques de diversões, aos circos de rodeios e teatros, os populares dramas, com apresentações de famosos cantores, duplas e trios caipiras.

 

ROTA OBRIGATÓRIA DOS CIRCOS

 

1970 - Circo Rodeio Mexico armado na Rua Ramos de Azevedo, atual Garagem da Bonavitta

A proximidade com grandes cidades, acesso estratégico para Campinas, Limeira, Piracicaba e Sul de Minas, tornaram Cosmópolis uma das principais rotas de circos do Estado. Das grandes companhias circenses às pequenas mambembes, armavam suas lonas e galpões nos espaços cosmopolenses. Eram pausas para seguirem em outras “praças”, mas sobretudo, certeza de bilheteria, com várias sessões no mesmo dia.

 Cosmópolis era como uma paragem obrigatória, um descanso antes de seguirem para grandes cidades, regiões paulistas e estados.

 As cercanias com outras “villas”, núcleos coloniais e grandes bairros rurais, atraiam milhares de espectadores para Cosmópolis.  Público pagante garantido, vindos das “villas” próximas, como Arthur Nogueira, José Paulino (Paulínia) e Americana, mas principalmente, do gigantesco complexo colonial da Usina Ester, onde residiam centenas de pessoas.

 

ENDEREÇO DOS ESPETÁCULOS

Palhaço Piolim, paulista de Ribeirão Preto (SP), a data 27/03 é uma homenagem ao seu nascimento

Nos primórdios da “Villa”, até início dos anos 1950, o espaço destinado aos circos era a região do atual Fórum, fundos do “Grupo Escolar de Cosmópolis” e Subprefeitura.  Neste espaço, então um amplo terreno localizado na região central, próximo da Igreja Matriz de Santa Gertrudes e Avenida Ester, armaram lonas de pioneiras companhias circenses, como o “Circo Dalva”, e o histórico “Circo Piolin”, precursor dos grandes circos paulistas, considerado um dos melhores do mundo.

Anos depois, outros locais marcaram época, como os terrenos nas imediações dos atuais Terminal Rodoviário, bairro Vila Nova (região da Sede da Secretaria de Segurança Municipal), “Escola LOKAC” e Residencial Rosetti.

 Porém, o mais marcante para inúmeras gerações cosmopolenses, com certeza, foi o quarteirão das ruas Ramos de Azevedo e João Aranha, atual garagem da “Auto Viação Bonavita”. Desde o fim dos anos 1940, até início de 1970, o quarteirão foi referência estadual pelas apresentações de circos e parques, sendo amplamente divulgado pelas companhias e artistas, em rádios, jornais e cartazes.

Neste famoso terreno apresentaram-se a maioria dos grandes artistas sertanejos da época, cantando sucessos e interpretando dramas caipiras, atraindo multidões para Cosmópolis.

 


Inesquecíveis sucessos circenses, líderes absolutos de bilheteria, como Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco, Luizinho, Limeira e Zezinha, Jacó e Jacózinho, Alvarenga e Ranchinho, Zé Carreiro e Carreirinho, Zé Fortuna, Pitangueira e Zé do Fole, Zico e Zeca, Liu e Léo, Leo Canhoto e Robertinho, Trio Parada Dura, entre outros renomados artistas.

No passado, as duplas e trios sertanejos, possuíam suas companhias teatrais, interpretando peças, os dramas na linguagem paulista, inspirados em sucessos musicais.

Os dramas caipiras eram os momentos mais aguardados das apresentações, uma versão circense das novelas do rádio, um teatro popular, criado com histórias do povo. Muitas vezes tragédias, por isso o nome “drama”.

No caso dos irmão Tonico e Tinoco, entre os artistas que mais apresentaram-se em Cosmópolis, evidência para os dramas “A mão criminosa”, “A vingança do Chico Mineiro”, “Chico Mineiro”, “Crime de não saber ler”, dentre outros sucessos teatrais, interpretados pela dupla e atores convidados. Não esquecendo a parte humorística, realizada por cômicos como Biguá, Sertãozinho, Barnabé, e o inesquecível Chiquinho, irmão de Tonico e Tinoco.

 CIRCO TEATRO IRMÃOS ALMEIDA


Neste consagrado espaço, marcado por décadas dos mais diversos espetáculos, destaque para as apresentações do “Circo Teatro Irmãos Almeida”. O renomado circo possuía um dos maiores pavilhões do Brasil, localizado nas proximidades do Mercadão de Campinas, antigo armazém da Carril Funilense.

Antes da fixação das lonas em Campinas, os “Irmãos Almeida” estiveram inúmeras vezes no quarteirão das ruas Ramos de Azevedo e João Aranha, sendo considerado um dos circos mais atuantes em Cosmópolis.

 

O seu diferencial eram as apresentações de artistas da companhia, trapezistas, palhações, equilibristas, dividindo os picadeiros cosmopolenses com importantes nomes, como Mazzaropi, Cascatinha e Inhana, “Caravana do Silvio Santos”, Os Trapalhões, e os shows da família, com Valter de Almeida, galã e cantor, ao lado de seus irmãos Alfredo, o palhaço Fredô, e Abegair, a personagem Nhá Tica. Líderes absolutos de público, realizando até três sessões diárias nas apresentações em Cosmópolis.

 

Em destaque Walter, Alfredo e Abegair

Outro esperado momento dos Irmãos Almeida, sempre memorável para gerações cosmopolenses, eram os marcantes dramas teatrais; como “E o céu uniu dois corações”, “Mestiça”, “Casamento de Fredô”, “Marcelino Pão e Vinho”, “Direito de nascer”, dentre outras mais de 100 peças apresentadas em Cosmópolis. Valter de Almeida era o principal galã das peças, mesmo dramáticas, tinham as cenas de humor com os hilariantes Fredô e Nhã Tica.

 

TOURADAS DO HOSPITAL

No fim dos anos 1960, para ajudar financeiramente as obras de construção do Hospital Beneficente Santa Gertrudes, atual Santa Casa de Misericórdia, foi criada a “Companhia Cosmopolense de Montarias”, surgindo as populares "Toureadas". Um dos eventos mais populares da história cosmopolense, onde com apoio e união de todos, surgia o primeiro hospital da cidade. Totalmente custeado pelas bilheteiras das touradas, edificado com o apoio financeiro de fornecedores de cana, Usina Ester (doadora dos terrenos e equipamentos), comerciantes e empresários cosmopolenses.

As “Toureadas” eram um grande circo rodeio, montado como arena, sem lonas ao ar livre, nas imediações das obras do hospital. Na modesta e rudimentar estrutura de madeira, apresentavam-se os mais diversos artistas da cidade e região, como um show de talentos, sobressaindo as touradas com animais.

 Organizado por destemidos peões, como os lendários Wilson Vieira, Nelson Pires, Raimundo Vieira, José Fernandes, entre outros, o grupo realizava desafios de montarias em cavalos, burros e touros. Para delírio do público, vindos de todas as regiões do Estado, os valentes peões enfrentavam os animais sem nenhuma proteção, como diziam, “na unha” e pelas “guampas” (chifres). 

As “Touradas cosmopolenses” eram afamadas pelas disputadas de peões, concorridas com grandes prêmios para as montarias de temidas mulas, cavalos e bois.

 Sucesso de público pagante, as “Touradas” foram responsáveis pelo financiamento de grande parte do Hospital, custeando materiais de construção, aparelhos e medicamentos.

Sim, a união do “povo cosmopolense” construiu o primeiro Hospital de Cosmópolis. Considerado na época, um dos melhores do Estado. Sim, infelizmente, a desunião extinguiu o hospital para seus verdadeiros donos, o povo cosmopolense.

 

 Texto Adriano da Rocha

Fotos acervos Grupo Filhos da Terra, colecionador e radialista Maykel Monteiro, família Perez (Tonico e Tinoco), família Giuzio, Toledo e acervo Juvenil da Rocha.