Uma viagem na história das propagandas eleitorais em Cosmópolis.
Texto e fotos Adriano da Rocha |
Mural dos santinhos, ou como seu criador o chama: oratório das eleições. |
No domingo dia 07/10 (dia das eleições municipais), quem passava pela Rua Monte Castelo, para votar na escola Nicolau Nolandi, ficava admirado com um imenso mural montado com os santinhos dos candidatos que disputaram as eleições em Cosmópolis este ano. O mural localizado na calçada de um tradicional comercio daquela rua, é feito todos os anos eleitorais desde a década de 70, pelo comerciante Juvenil da Rocha (65 anos). Sempre bem humorado, seu Rocha apelidou o mural dos "santinhos" de oratório das eleições, onde se encontram cerca de 182 candidatos, dos 192 que concorreram as eleições de 2012 em Cosmópolis, destacando entre as fotos dos vereadores os 3 candidatos a prefeito. Como um assunto puxa outro na prosa de Paulista, a simples conversa se tornou uma verdadeira aula de história sobre as propagandas politicas em Cosmópolis, contadas por um dos maiores entendedores da história cosmopolense, e um dos criadores do Acervo Cosmopolense em 1993. Juvenil da Rocha, participou de duas eleições como candidato a vereador, em 1967 e 1988 .
Confira abaixo um pouco da história das propagandas politicas em Cosmópolis.
Como surgiu a ideia da criação do mural?
Sempre trabalhei com comercio varejista, praticamente desde os meus 5 anos de idade minha vida é atrás de um balcão bem servindo os clientes, e digo isso com muito orgulho. A criação do mural começou nos tempos de bar, quando eu e meu irmão éramos donos de bar no Vila Nova, naquela época década de 60 os maiores comícios da cidade eram feitos no cruzamento das ruas Luiz Leflock com Francisco Cesário de Azevedo, onde nosso bar se localizava. O bar foi o primeiro comércio construído fora da Vila (como era chamada a região central antigamente),e na década de 60 quando aconteceu as construções das das primeiras populares de Cosmópolis, a região se tornou a mais populosa da cidade, o bairro que se chamava Vila Mariana, mudou de nome com as populares para Vila Nova. Os comícios movimentavam toda aquela região, e no Vila Nova eram feitos sempre os últimos comícios dos candidatos a prefeito e seus vereadores, os candidatos eram todos nossos amigos,e para evitar inimizade, as paredes do campo de bocha serviam de mural para os santinhos dos candidatos. Em 1977, quando abri uma loja de roupas na rua Monte Castelo, a tradição do mural continuou, onde os santinhos eram colados em uma das paredes da área externa da loja.
Neste ano quando começou a confecção do mural?
Gosto de fazer essa brincadeira nas vésperas da eleição, neste ano começamos faltando 3 dias para a eleição. Durante o período eleitoral, todos os candidato que visitam a loja e deixam seu santinho, nos guardamos e formamos uma coleção com as propagandas para a criação do mural. Os comerciantes vizinhos que já sabem da criação do mural, também guardam os santinhos e nos entregam no dia da "colação" no painel. Neste ano recebemos a visita de 182 "amigos" candidatos, que formaram os mais de 3 metros de comprimento do mural, faltou apenas 10 candidatos para completar os 192 que disputaram as eleições neste ano. E na verdade não é apenas uma brincadeira esse mural, e sim um jeito diferente que encontramos para mostrar nosso apoio a todos, e principalmente a democracia em nossa cidade. É triste ver tantas amizades terminando por brigas políticas, a discussão sempre é boa e faz parte deste período eleitoral, mas infelizmente muitos puxam para o lado pessoal, e quando não termina na delegacia, termina com o fim da amizade, muitas vezes de anos.
Como o senhor descreve as eleições em Cosmópolis em 2012, e como eram antigamente?
Não tem nem comparação, antigamente a politica era totalmente diferente dos dias de hoje, ficaríamos horas e horas conversando, esse assunto rende muita prosa. Esse ano foi a disputa mais acirrada da história de nossa cidade, ambos os lados fizeram de tudo para chamar atenção do eleitor, e principalmente pelo fato dos dois lados no passado terem sido um só. Foi a primeira eleição com debate transmitido ao vivo pela Internet, debate no rádio, e neste ano o tradicional debate da Igreja Aparecida foi individual, um candidato por dia debatendo com a comunidade. Em uma visão geral, na comparação com o passado e os dias de hoje, existe algo impensável nos meus tempos de candidato, que é a liberdade de expressão. Antigamente fosse posição ou oposição, se o assunto falado fosse contrario ao regime militar, o candidato, ou o próprio prefeito, vereador e demais munícipes respondiam seus atos possivelmente subversivos ao governo em Paulínia, que na época da ditadura foi a sede do governo militar na nossa região. Eu me lembro que no auge do regime, um candidato mencionou em um comício, que perdemos a Petrobras para Paulínia por falta de capacidade do atual prefeito da época, que foi omisso e traiu a população. Na mesma noite um jipe do exercito levou o candidato para Paulínia para responder sobre o que tinha falado, levaram ele de pijama, mesmo ele sendo do mesmo partido do governo, o candidato passou a madrugada dando explicações aos militares sobre o que havia falado, e tremendo de medo de apanhar. As discussões entre candidatos, confusões envolvendo partidos, e brigas de idolatria de cabos pelo candidato, existiam sim, e sempre existiram no período eleitoral, isso tudo faz parte da rotina politica, e infelizmente fazem parte do jeitão politico brasileiro. Como eu disse acima, antigamente o povo não tinha liberdade de expressão, de falar a verdade, de ter a sua própria opinião sobre o governo de sua cidade, as manifestações que aconteceram esse ano contra o aumento dos vereadores, no tempo militar já era motivo para levar todo mundo para cadeia, sem falar na melá que iam tomar dos guardas. Hoje o povo tem o poder da liberdade e não sabe usa-lo a seu favor.
Os santinhos que hoje são jogados aos milhares e milhares pelas ruas, deixando depois das eleições a cidade imunda por semanas, antigamente eram entregues de mão e mão, diretamente ao possível eleitor, nem se o candidato fosse milionário ele jogava a quantia de papel que são jogadas na rua nos dias de hoje. Os santinhos eram feitos em dois tamanhos, um pequeno entregue em mãos, e o grande tipo cartaz, era fixado nos postes e paredes, só eram jogados pela rua se o eleitor jogasse fora. Naquele tempo o santinho era direto no assunto, foto, nome e número, não tinham um texto enorme contando a vida do candidato, isso acontecia por grande parte da população ser analfabeta, ou semi analfabeta. A Avenida Ester, era dividida pelos partidos políticos, era até bonito de ser ver, grandes faixas feitas de pano, atravessavam as ruas de uma lado a outro, na faixa o nome do candidato e seu número. Nos sítios as porteiras eram pintadas com o nome do candidato apoiado pela família dos sitiantes, na cidade se pintavam os muros das casas que davam apoio ao candidato, ou se fixava uma faixa. Era simples a campanha politica em Cosmópolis, até a década de 60. A cidade era pequena, poucos candidatos, e o cargo de vereador não recebia salário, então não podiam ser feitos exageros, os candidatos eram na sua maioria verdadeiros democratas apurados. Lembro de alguns cabos eleitorais que marcaram época na cidade, como o Regula, Argemiro e o Calixto, os coitados, todos pingueiros viciados, recebiam uns trocados dos partidos para comprar suas pingas, e em troca ficavam o dia inteiro gritando pelas ruas o nome de seu candidato. O Regula fazia a campanha de seu candidato a prefeito, o André Vieira, cantado bêbado ao som de seu inseparável bandolim, desafinado e faltando várias cordas. Imagine a cena pelas esquinas da Avenida Ester, era só risada, depois de várias pingas, ninguém entendia nem o número ou nome do candidato. Na década de 70, começou a mudar muita coisa nas eleições municipais em Cosmópolis, surgiam as camisetas com o nome do candidato, chaveiros, caixa de fósforo personalizadas, comícios com apresentação de artistas. A sujeirada dos santinhos, começou no final da década de 80, com as diretas já, e o fim da ditadura militar, e o surgimento de várias siglas partidárias. Até 1980, Cosmópolis tinha apenas dois partidos o ARENA e o MDB. O precursor das propagandas politicas em nossa cidade, foi o saudoso Hernesto Kiehl, chaveiros, camisetas, canetas, e demais propagandas, eram revendidas nas épocas politicas por ele, e fora das eleições o Hernesto era dono do bar Ideal, na Avenida Ester, e também foi o primeiro a revender as sacolinhas de plástico em Cosmópolis, uma novidade na época. As propagandas sonoras, eram apenas faladas naquele tempo, não existia nem a fita tape ainda, e uma gravação musical ficaria uma fortuna e algo somente realizado por candidatos a governador e presidente, fora que seria impossível andar pelas ruas com um toca discos dentro do carro. Os pioneiros das propagandas politicas faladas em Cosmópolis, foram o Ali baba, Modestina, e o Aldánio, as propagandas eram faladas pelos serviços de alto falantes fixos, e pelas ruas da cidade em seus carros de som, tudo ao vivo, e na criatividade de cada um dos locutores.
Foi um grande avanço na democracia, e principalmente na paz dos eleitores nesse período, embora Cosmópolis ficou a desejar comparado a nossa antiga vila, e hoje cidade de Artur Nogueira. Os candidatos e suas coligações se reuniram em Artur Nogueira, e criaram normas próprias para as eleições locais, como horário de inicio e final das propagandas sonoras (12:00 hrs às 19:00 hrs), proibição das bandeiradas em esquinas de toda a cidade, comícios próximos de escolas noturnas, e criação de rotas de carreatas partidárias fora das ruas de intenso fluxo de carros. Em Cosmópolis muitas normas do TRE foram cumpridas, e infelizmente muitos abusos aconteceram nestes três meses, poderíamos ter uma melhor campanha politica não apenas para os candidatos e sim para os eleitores, se seguíssemos os exemplos de Artur Nogueira. A principal conquista do povo, com certeza foi a lei da ficha limpa, somente em Cosmópolis, mais de 100 candidatos foram barrados por problemas com a justiça. Me mudei para rua Monte Castelo em 1952, em 1978 abri minha loja nesta mesma rua, em frente a um pequeno grupo escolar que surgia, conhecido por EEPG até 2000. Hoje essa escola é o maior colégio eleitoral de Cosmópolis, com mais de 6 mil eleitores. Antes das novas leis eleitorais, os postes da CPFL que ficam um em frente da loja e um outro em frente a minha casa, eram os mais disputados pelos candidatos, até briga acontecia por causa de espaço para fixar propaganda. Nem mesmo as árvores escapavam, perdi um pé de ipê rosa que havia em frente de casa, por causa de tanta propaganda politica fixada as pregadas na madeira da pobre árvore. Sendo comerciante, o apartidarismo faz parte da profissão, o comerciante que vive do seu comércio, não pode demonstrar seu lado político dentro do comércio, fora é outra conversa, mas no estabelecimento a imparcialidade é norma comercial para não perder os clientes em época de eleições.
As eleições cosmopolenses deixam saudades?
Mesmo com alguns abusos por parte de alguns candidatos, essa época em uma cidade do porte de Cosmópolis, é uma fase que deixa saudades sim. A união dos partidos e os candidatos, as musiquinhas, as maluquices de oportunistas do voto que viram piadas nas conversas entre amigos, as carreatas que esse ano marcaram história em Cosmópolis pela grandiosidade e organização, a correria dos dias finais, tudo isso um dia dá saudade sim, e ficará não apenas na história da cidade, mas também em nossa história de vida. Eu digo isso, e tem gente que acha ser coisa de velho, quem não tem saudades de quando criança brincava com os santinhos pelas ruas, ou lembra de algum comício que foi com os pais, das bolsinhas de moeda com o nome do candidato, as musiquinhas que não saem da cabeça, tudo um dia vira saudade. Me lembro do primeiro comício a prefeito em Cosmópolis que fui com meu pai, eu tinha 4 anos de idade, foi do Francisco Fontinha, que se elegeu prefeito naquela eleição, comício era no grito sem microfone ou algum recurso de som, em um palco improvisado na matriz. Lembro da caravana do Jânio Quadros chegando na estação de Cosmópolis, e a banda municipal tocando o sucesso musical do candidato, a marchinha "Vare vare vassourinha". Tudo na vida vira saudade um dia, quando se sabe viver.