quinta-feira, 8 de maio de 2014

LUTO MUSICAL

 Morre hoje (08/05) aos 75 anos de idade o cantor Jair Rodrigues (Igarapava-SP), precursor de ritmos e modas, interprete de grandes sucessos como a revolucionária “Disparada” de Geraldo Vandré, o samba de breque “Deixa isso pra lá” (deixa que digam que pensem que falem, eu não estou fazendo nada você também)”, e até de um dos maiores sucessos sertanejos “A majestade o sábia” moda com a participação especial da dupla Chitãozinho e Xororó, sucesso de autoria da cantora Roberta Miranda (música que trouxe Jair novamente as mídias, “sertanejando” o sambista na década de 80 que estava esquecido pelas emissoras).

  Desta face de sertanejo  do sambista outros grandes sucessos marcaram sua carreira como “vaqueiro de profissão” tema da novela ‘Rei do Gado”, e” O Cravo e a Rosa” sucesso “caipirado” e tema do personagem Julião Pretúquio (Dú Moscovis) e Catarina (Adriana Esteves) da novela recém-reprisada “O Cravo e a Rosa”. Não se esquecendo de participações em seus discos nesta nova fase de duplas como Tonico e Tinoco e Inezita Barroso. Uma pessoa simples nos palcos, sempre dando risada e cantando também dando risadas, um jeitão malandro e brincalhão era sua marca registrada como artista. 




  No começo da carreira, um tanto que deslumbrado por seu programa na TV ao lado da cantora Elis Regina (O fino da Bossa) e o pelo enorme sucesso da música “Disparada” vencedora do festival de música da TV Record em 1966, o cantor ficou marcado na história de Cosmópolis em sua primeira apresentação na cidade no final da década de 70. Contratado pela Prefeitura Municipal de Cosmópolis para um show em uma feira agrícola e industrial que era tradicionalmente realizada anualmente na cidade, foi contratado por um cachê altíssimo, uma verdadeira fortuna na época dos cruzeiros.

  O pagamento seria feito no dia do evento momentos antes da sua apresentação, ao chegar à cidade com um enorme "Dodge Charger" o artista chegou chegando ,como se diz popularmente, chamando atenção de todos que esperavam ansiosos por seu show no “Estádio Telmo de Almeida. Antes de entrar no camarim, improvisado no vestiário dos jogadores, o cantor perguntou:” E meu cachê o dinheiro já está tudo certo!”.

  O então prefeito da época e demais autoridades foram chamados ao camarim para acertar financeiramente o show e conhecer o cantor, e assim dar inicio ao grande espetáculo esperado por uma multidão de fãs de toda a região que lotavam os gramados do pequeno estádio do Cosmopolitano. O prefeito cumprimentou o artista, fez um pequeno discurso elogiando e dizendo ser fã de suas músicas, em seguida entregou um cheque da prefeitura para o pagamento do artista e sua banda.

  O cantor olhou, olhou o cheque e embravecido disse: “Eu não aceito cheques de forma alguma, somente faço shows em dinheiro”. O prefeito ficou espantado, pensou ser uma brincadeira do cantor por sua fama de farrista, já que pelo valor do cachê era praticamente impossível o pagamento em dinheiro (nos tempos do cruzeiro então a quantia de notas seria imensa). O cantor então insistiu e perguntou sério:” onde está o dinheiro, já te disse não aceito cheques! ”.

  O prefeito ficou sem ação, e tentou de todas as formas explicar a situação ao cantor, dando sua palavra e dos demais políticos presentes, ele poderia aceitar o cheque sossegado sendo da prefeitura, que o mesmo tinha fundos, e pelo alto valor não teria como o pagamento ser feito em dinheiro. O cantor muito bravo não aceitou as explicações, começou a chamar sua banda que se preparava no palco, falando alto não vai mais ter show, e saindo do camarim disse ao prefeito:” sem dinheiro, sem apresentação, já tomei muito calote e por isso não aceito cheques seja de quem for”.

  O prefeito e demais autoridades não sabiam o que fazer, uma multidão esperava o show, e mesmo insistindo com o cantor, ele começava a guardar suas coisas no carro para ir embora. Não teve outro meio, ou se conseguia o valor do cheque em dinheiro, ou não ia ter show, e possivelmente uma grande confusão com povão poderia acontecer pelo possível cancelamento da festa. Os contratantes seguraram o cantor, enquanto o prefeito tentava com empresários e fazendeiros conseguir trocar o cheque, mas a quantia era tamanha que nem mesmo o então diretor da Usina possuía disponível o valor em dinheiro nos cofres da empresa.

  Em um ato de desespero o prefeito foi pedir ajuda ao gerente do antigo “Banco federal de crédito”, que espantado ficou surpreso com a atitude do cantor, e prontamente resolveu ajudar o prefeito. O banco foi aberto em pleno domingo, e neste momento o gerente teve uma ideia já que o cantor somente se apresentaria com o pagamento em dinheiro. A alta quantia foi contabilizada no banco toda em notas de pequeno valor, praticamente em notas de CR$ 1 cruzeiro, uma quantia tão grande ao ponto de encher o pequeno fusca do gerente, quase o impossibilitando de entrar no veiculo.

  Chegando ao local do show, impaciente o cantor esperava o pagamento, o prefeito sorrindo e com um ar de missão comprida disse: Aqui está o seu dinheiro diretamente do banco, contado nota a nota pelo próprio gerente. O cantor ao ver a enorme quantia dentro do fusca ficou atônito, sem reação, e até insinuou em não aceitar as notas “miúdas” por não ter como levar tanto dinheiro no carro. O prefeito e contratantes nesta hora falaram grosso:” Este não era seu gosto, o pagamento em dinheiro. Agora o senhor canta ou a junta militar de Paulínia que é sua fã vai leva-lo preso”. *os militares não eram lá muito fãs do cantor, o motivo era a música “Disparada”, entre subliminares versos era um grito de revolta contra o regime militar*.

  O cantor se apresentou finalmente a multidão que há horas lhe esperava, foi muito aplaudido e seu show também muito comentado pelo seu talento e desenvoltura no palco, contando piadas e brincando com o povo. Na “coxia” o prefeito e demais organizadores então combinaram, tipo uma jura entre eles, enquanto estivessem vivos, nunca mais o cantor seria contratado para uma apresentação em Cosmópolis.

  O que de fato não aconteceu, ou infelizmente na verdade a maioria dos contratantes da época faleceu, uma parte na década de 90 e outra anos antes da última apresentação do Jair Rodrigues em Cosmópolis em 2010 (sim ele voltou aqui, mesmo contrariando alguns remanescentes do causo). Sua última apresentação foi no Cosmo Folia, porém desta vez o cantor não foi pago com uma enorme quantia de notas de um real. Foi feito o uso da modernidade eletrônica, a transferência bancaria diretamente na conta do cantor.

  O “show” chamou atenção na época da oposição política, o alto valor pago e pelo cantor ter cantado poucas músicas, nesta apresentação ele mais contou piadas que cantou. Estive no show e perguntei sobre sua primeira passagem em Cosmópolis, e relembrei o causo, ele sorriu, sorriu e com seu típico jeitão brincalhão disse: Faz parte não é das nossas histórias. No começo da carreira é assim mesmo, ainda mais um menino pobre de São Carlos que somente descobriu as coisas boas da vida depois de véio. Para evitar tantos calotes que tomei, era costume na época isso, só no dinheiro. Todos os cantores faziam isso”. Sorrindo encerou a prosa entrando no carro.

  Uma lembrança desta passagem do Jair Rodrigues em Cosmópolis, um causo até engraçado sempre contado pelos mais antigos. Descanse em paz Jairzão, vai com Deus crioulo doido. Uma triste perda em um Brasil musical hoje com raros verdadeiros talentos.


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