Livros raros, antigas publicações de revistas, almanaques e jornais semanários, são inúmeras as fontes para escrever sobre a história de Cosmópolis. Mas a verdadeira história cosmopolense, descrita com franqueza e exatidão, somente é contada por seu povo.
Os olhares de um “proseador” contam a sua peculiar história, a cada ponto de vista surgem novos detalhes, descrições diferentes ao narrar um mesmo causo cosmopolense. Nesta junção de causos “proseados” na informalidade, em conversas ao pé do fogo de um café sendo feito, ou no pé do fogo de umas “cangibrinas”, encontrei as mais perfeitas narrativas da história de Cosmópolis.
Em um curto espaço de tempo perdemos muitos contadores da nossa verdadeira história, filhos de nascimento, cosmopolenses de opção e coração. Contadores de estórias e personagens das próprias histórias que contavam.
Cosmópolis despediu-se de um conhecido personagem, figura de inúmeros causos dos tempos da Villa e colônias.
Cosmópolis despediu-se de um conhecido personagem, figura de inúmeros causos dos tempos da Villa e colônias.
"Gerso do Ferro Véio"
Faleceu na quarta-feira (02), aos 74 anos de idade, o contador de causos Gelson Barbieri, o popular “Gerso do Ferro Véio”. Qual o cosmopolense que não conheceu essa figura popular?! Assim como seus incontáveis causos de Cosmópolis, com narrativas engraçadas, assustadores e tristes, escreveu sua própria vida em histórias de altos e baixos.
Pessoa simples, com pouco estudo escolar, mas de uma vivência incrível. Seus defeitos (quem não tem!!), eram poucos comparados com suas virtudes, homem de sorriso franco e verdadeiras amizades.
Na sua mocidade foi boêmio assumido e inveterado, não conhecia limites em suas noitadas pelos bares da Biquinha, Vila Nova e região central. Sua habilidade nas cartas de baralho era descrita por vários “butequeiros” como um dom único, conquistou importante posição social com seus trunfos e ganhos nas mesas. Nas décadas de 1960 e 70, era enaltecido nos redutos de carteado como o “Rei do Baralho”, fez fortuna desfazendo fortunas de azarados da sorte.
Um dia, conversávamos sobre seus áureos tempos de “reinado”, Gerson contava as histórias não com orgulho, mas para ensinamento, declarou:
“Eu tinha o dom do jogo nas mãos. Todos os jogos que dependiam da sorte nas mãos, ninguém conseguia bater comigo. Foi assim nas cartas e no bocha. Ao mesmo tempo que ganhava nas mesas e campos, perdia um bem que jogo nenhum me fez ganhador, a família.
Foi então que abandonei essa falsa coroa de rei.O mesmo jogo que trazia a sorte, também puxava o azar. Esse reinado era só ilusão”, dizia Gerson dando como exemplo suas histórias de jogo.
Representou Cosmópolis em inúmeros campeonatos de cartas e bocha, sendo campeão por anos consecutivos nos torneios estaduais de bocha realizados no Bar do Rocha, no Villa Nova (antigo Vila Mariana).
Empreendedor em vários ramos comerciais, foi um dos primeiros comerciantes de materiais reciclados da cidade, mais de 40 anos de “ferro velho”.
Na secular rua, aberta por trabalhadores da Carril Funilense nos idos de 1890, construiu sua casa e o depósito de materiais, sendo referência como “sucateiro” na Rua Baronesa Geraldo de Rezende.
Seu nome recebeu a junção da profissão, “Gerso do Ferro Véio”, e mesmo com o arrendamento do depósito (depois de sofrer a amputação de uma das pernas, ficando incapacitado do serviço), o apelido perdurou por toda sua vida.
Recordo suas histórias da lendária mulher de preto, uma tenebrosa assombração que circulava na região da extinta estação de trens. Segundo Gerson, era uma moça que foi assassinada próxima à porteira da Fazenda do Funil (região do Bar do Tergolino). Vestida de preto, usando um véu cobrindo o rosto, percorria as ruas nas noites de sexta-feira, buscando o “livramento” do seu enfadonho destino.
Outra história sempre contada por Gerson era da sua “revivida”, quando ficou meses em coma e morreu por alguns instantes no leito hospitalar.
Nesta sua segunda chance de vida, mudou todos os seus pensamentos sobre o mundo e os viventes.
“Lembro de tudo, não era para lembrar, mas eu lembro. Acho que era o céu, vi muitos conhecidos que partiram, o lugar era extraordinário, um mundo de luz, paz e serenidade. Não queria partir, mas um senhor que não sei quem era, me disse ainda não é sua vez de ficara aqui”. Foi o último causo que ouvi do Gerson, contado no início do mês de junho.
Talvez foi a doença, ou a saudade da esposa que faleceu há alguns meses passados, sempre buscamos motivos e razões para a morte. A existência no mundo tem como única certeza absoluta a morte. Não somos donos da nossa vida, mas recebemos a livre oportunidade de escrever a cada dia a nossa história nesta vida.
Descanse em paz “Gerson véio”, espero que tenha encontrado o céu que descrevia em seus causos. Os sinceros sentimentos aos familiares e amigos, vai o homem ficam suas histórias...
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