segunda-feira, 19 de março de 2018

SÃO JOSÉ DOS TRABALHADORES DA TERRA

A DATA NA HISTÓRIA
Texto e fotos Adriano da Rocha
 Dia 19 de março, as ferramentas e maquinários, nas tuias ficavam guardadas. Nesta data, agricultor não trabalhava, o dia é consagrado ao Padroeiro, São José dos trabalhadores, São José da prosperidade nas lavouras.
Santinhos distribuídos nas celebrações em louvor à São José / Acervo Adriano da Rocha

  No passado, os devotos cosmopolenses, realizavam uma das mais lindas celebrações populares da fé católica local. A data não era celebrada com festas, quermesses, vendas de bebidas e alimentos, o dia amanhecia com orações, procissões, devoção e respeito ao Santo. Celebrações, que seguiam tradições dos tempos da colonização portuguesa, miscigenada, na fé dos imigrantes, nesta terra cosmopolita.


PROCISSÃO DE LAVRADORES
1949/ Carreiro João Paes e família, junta de bois e carro registrados na Rua João Aranha, próximo à Estação da Sorocabana, antiga Carril Funilense / Acervo Família Paes

 O sol ainda não havia nascido nos horizontes do Itapavussu, quando o som do zunir de carros de bois, acordavam a Villa de Cosmópolis. O rangir dos cocões, produziam o som único das cantadeiras dos carros, ecoando estridente dos morros e espigões, anunciando a chegada da procissão.

Em passos lentos e compassados, desciam as várias juntas de bois, pelas estradas de acesso as ruas da Villa. Na frente de cada carro, os “candieros”, com seus cumpridos ferrões, forjados de pregos dos dormentes da Funilense, seguiando “chibantes” e orgulhosos, conduzindo os bois de guia.

Charretes, carritelas, troles, carroças, cavaleiros e muleiros, acompanhavam a gigantesca procissão, vindos das mais distantes regiões rurais de Cosmópolis.

O som de tamboeiros e cocões dos carros de bois, sinuelos de bestas e mulas, trotes de cavalos, o bater dos cascos das dezenas de animais, acordavam os moradores de Cosmópolis, antes mesmo, dos sinos do campanário da Igreja Matriz de Santa Gertrudes.

Pessoas simples, com suas rudimentares conduções, sitiantes, lavradores e colonos, mãos calejadas unidas na fé ao Padroeiro dos trabalhadores, o intercessor São José, esposo da Virgem Maria, pai adotivo de Jesus Cristo.

FLOR DE SÃO JOSÉ
Margens do Rio Pirapitingui, Cachoeiras do Saltinho / Lírio do Brejo, Flor de São José, aroma das flores espalha-se por metros de distância / Foto Adriano da Rocha

Nos pranchões dos carros de bois, os soberbos carreiros ficavam imponentes, dividindo espaço com preciosas cargas. Eram gigantescos balaios de sementes, feixes de cana de açúcar, ramos de café, ramadas de algodão, frutas e cereais.
Cada lavrador, trazia na sua condução, os frutos do seu trabalho, sementes para serem germinadas, suas preces e graças alcançadas nas roças, agradecimentos e pedidos ao digníssimo São José.

Entre as cargas, uma em especial não podia faltar, um dos símbolos maiores da celebração popular. Com muito cuidado, capricho e esmero no transporte, a preciosa carga seguia no primeiro carro, abrindo caminhos, saudando São José.

O carro de guia, com dez cangas (20 bois), seguia na frente conduzindo a procissão dos lavradores. Ainda mais marcante que as cantadeiras dos carros, era o aroma da carga transportada.

Um cheiro indescritível, aroma doce, calmante e inebriante, fragrância que espalhava-se com a brisa da manhã, dominando as ruas de Cosmópolis.

Um gigantesco buquê de flores, ou como é conhecido popularmente, colônia de São José / Foto Adriano da Rocha

Eram as flores de São José, magníficos lírios brancos, as populares flores do brejo, nascidas nas barrentas margens dos rios Jaguari, Pirapitingui e Três Barras.
Vespertinamente, fiéis percorriam as barrancas dos rios, buscando as colônias de lírios, retirando não somente as flores, mas toda a gigantesca planta. Germinada com raízes profundas, na terra argilosa do brejo.
Colônia de Lírios formanda próximo das correntezas da Cachoeira do Saltinho / Foto Adriano da Rocha


As delicadas flores brancas, com sua exuberância e perfumes sem iguais, nasciam em “copadas” nas margens, formando gigantescas coroas sobre as águas. As flores, ornamentavam os andores de São José, enfeitavam os animais, as conduções, e maceradas com água, molhavam as escadarias da igreja, no trajeto da procissão, ‘’ assentavam” a poeira das ruas de terra.

Colônia de flores, mas também de inúmeros insetos hospedeiros, como formigas, borboletas e abelhas, buscando alimento no néctar das flores e ramagens. O beija-flor, "cuitelinho" como é paulistamente conhecido, fazem revoadas buscando o "doce" das flores / Foto Adriano da Rocha

Suas raízes, da mesma família do gengibre, os fiéis produziam um típico chá, servido no fim da celebração religiosa. O preparo, era semelhante ao quentão das festas juninas, porém, sem usar água ardente (pinga) e outras especiarias como cravo, somente água e açúcar mascavo.

MISSA CAMPAL
A antiga Igreja Matriz de Santa Gertrudes, projetada pelo “Escritório de Arquitetura e Engenharia Ramos de Azevedo”, comportava somente cem fiéis, confortavelmente sentados nos bancos. A grandiosidade da celebração, trazia a liturgia católica para as escadarias da Igreja, sendo realizada uma Missa Campal.

30/11/1944- Largo da Matriz de Santa Gertrudes em festa, comemorações da emancipação política e administrativa de Cosmópolis. Em destaque no centro, a extinta igreja projetada por Ramos de Azevedo / Foto Acervo Grupo Filhos da Terra


O modesto largo da Matriz, ficava repleto de fiéis, as ruas Alexandrina (atual Campos Salles), Ramos de Azevedo e Wienna (atual Santa Gertrudes), serviam como parada das inúmeras conduções e animais.

Neste período, a Prefeitura de Campinas, instalou a cada 2 metros de guias, pequenos argolões, que serviam para amarrar as rédeas dos animais. Somente os carros de bois, principalmente os carros de propriedades do senhor Germano Lange e família Paes, devido a quantia de juntas, ficavam aos pés da escadaria da Igreja. Estes carros traziam as coroas de lírios, usadas no andor de São José.

LAVAR OS PÉS DO SANTO
Santinho impresso na França, datado de 1902, em consagração a Sagrada Família / Acervo família Coutinho Nogueira, doação ao Grupo Filhos da Terra

Ao término da Missa Campal, a procissão seguia até o Ribeirão Três Barras, popular Baguá, onde eram molhados simbolicamente, os pés de São José. Neste ato, a tradição católica, confessava como uma prece, pedindo chuvas para as lavouras cosmopolenses.

Antes de seguir a profissão, o Pároco da Matriz, realizava as bênçãos nas sementes, alimentos e até nas ferramentas usadas nas lavouras e demais utensílios. Enxadas, foices, facões, chapéus, moringas d’água e caldeirões de refeições (marmitas), eram ungidos de água benta pelo sacerdote.

A procissão saia da Matriz, descendo a Rua Wienna (Santa Gertrudes), seguindo da Avenida Esther, até a Rua Nápoles (Rua da estação, atual Rua João Aranha), onde na região da atual Fábrica de Refrigerantes Furlan, existia uma ponte sobre o Rio Baguá.

13/08/1950 - Família Ferreira, em registro feito sobre a antiga ponte do Ribeirão Três Barras. Ponto de passagens, caminho de acesso para Limeira, referência em celebrações religiosas de "molhas pés". Foto Acervo Luizinho Ferreira 


Cânticos litúrgicos, misturavam-se com canções populares, a imagem de São José (a mesma existente na Igreja Matriz), tinha seus pés banhados. Neste mesmo ato, fiéis banhavam suas imagens no rio, nas águas do Baguá, lírios e raízes da planta, eram lançados nas correntezas e margens.

Voltando a Igreja Matriz de Santa Gertrudes, era servido o chá das raízes da flor de São José, enormes caldeirões dispunham de centenas de litros da bebida. A bebida típica da celebração popular, tinha seu preparo na madrugada do dia 19, reunindo dezenas de mulheres para limpar e descascar as raízes.

CURIOSIDADES DA DATA NO PASSADO
1904/ Major Arthur Nogueira (segundo cavaleiro) e um familiar não identificado / Foto  acervo Grupo Filhos da Terra


O Major Arthur Nogueira, proprietário da Usina Esther e responsável pela Chefatura de Polícia, decretava popularmente, que os trabalhos na Villa de Cosmópolis e Usina, iniciavam-se somente depois das 10h00, término das celebrações religiosas.

Devoto de São José, e patrono da Igreja Matriz de Santa Gertrudes, acompanha toda a celebração, chegando junto com os carreiros da Usina, montado no seu lendário cavalo preto.
Pequenos santinhos de São José, datados com os anos de 1938 e 1922 / Acervo Adriano da Rocha

Em devoção pelas graças alcançadas, grandes safras e colheitas, o Major e demais fiéis abastados financeiramente, distribuíam pequenos ‘’ santinhos”, impressos nas “Thipographias” campineiras, e casas Tipographicas francesas.

Até o ano de 1924, data de seu falecimento, a celebração ao São José, era considerado um feriado cosmopolense, sendo realizadas as celebrações, com apoio da Usina.

Texto e fotos Adriano da Rocha

Santinhos de São José: doações ao Acervo Cosmopolense, das famílias Toledo Silva, Lange Woord, Barbosa Frade e Rocha Zia

Em respeito a tradição da Quaresma, onde as imagens santificadas da Igreja Católica são cobertas em memória e luto pelo Cristo crucificado, não fizemos fotos da estatuária de São José da Matriz. A imagem existente na Igreja Matriz de Santa Gertrudes, é a mesma utilizada nas celebrações do início do século passado.

MISSA DE SÃO JOSÉ 
A celebração litúrgica à São José, será realizada na quarta-feira (21), às 19h30, na Comunidade São José. A comunidade está localizada no fim da Rua Max Herget, bairro “Baguá”, próximo ao antigo abrigo municipal de animais.

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