terça-feira, 29 de março de 2016

"Rans Piter Maque Lauer": Adeus ao Miguézinho

Texto e fotos Adriano da Rocha
Seu Migué, Miguézinho ou Miguézão. Arquivo A.R 2008
     Sem muito alarde, homenagens ou lembranças emocionadas nas redes sociais, faleceu na segunda-feira (28), um famoso e querido “anônimo” das ruas de Cosmópolis. Aos 74 anos, morreu no “Lar dos Idosos Irmã Rosália”, Miguel Romero Filho, o sempre alegre e sorridente “Miguézinho do Asilo”. Seu sepultamento aconteceu na tarde de segunda-feira (28), no Cemitério Municipal de Caraguatatuba, cidade onde residem seus familiares.

  Uma figura única, com seu jeitão bem peculiar ao falar e andar, percorria diariamente as ruas e avenidas da cidade, com sua inseparável bicicleta do banco todo “danado”, traduzindo do paulista, quebrado, lascado, ou como ele dizia: “pegando na bunda”. Quando alguém perguntava seu nome, sério ele respondia: "Meu nome é  Rans Piter Maque Lauer ". A maioria não entendia, com cara de bravo fazendo graça, retrucava: "é isso mesmo que o senhor não entendeu
Rans Piter Maque Lauer".



  Nas filas das lotéricas sua presença era sempre fiel nos dias de sorteios da Mega, Loto fácil e Esportiva, chegava falando alto e cumprimentando a todos.

  Mesmo pelas dificuldades da vida, nunca perdeu a esperança de ter a sorte grande novamente e fazer a sua “fezinha”, enfim, “mudar” de vida. Uma vida que ele reclamava apenas das dores nas pernas, nunca dos erros. Era cheio de superstições no jogo, tirava uma nota da sua carteira velha, cheia de papéis de anotações e, quase nenhum dinheiro, e pedia para a moça da lotérica fazer o jogo. Dobrava várias vezes, como um ritual, colocava na carteira sem ver os números, abrindo o bilhete somente no dia do sorteio.

  “Sou um véio feio, barbudo e suado, vou me juntar aos outros véios iguais a mim nessa fila”, dizia Migué ao entrar nas filas preferências da vida. Para ganhar uns “trocados”, fazia serviços de pagamentos para o asilo, comerciantes do centro e amigos. Suas credências ao oferecer o serviço: “sou véio, todo lascado e fedido, então de um jeito ou de outro, passo rapidinho na fila”.

  Mulher bonita ele chamava de “Cláudia Raia",  "Sofia Loren", ou carinhosamente "minha abelha rainha"; os  homem de “Janiquine” alusão ao famoso galã Reynaldo Gianecchini, ou , Pepino de Caprio, famoso galã italiano da década de 60. Quando a pessoa fosse de “mais idade”, com seu jeitão brincalhão dizia: “Eh parceiro, tu tá igual a mim, só que mais feio”.

  Nos tempos do antigo Banespa, e sua extinta “muretinha” ,um sobressalto do jardim na frente do banco (derrubada devido aos constantes roubos de bicicletas), reuniam aposentados e amigos para conversar todas as tardes naquele local. Guardava-se as bicicletas nos fundos do banco, embaixo de uma enorme mangueira, depois de pagar as contas nos bancos, o pessoal sentava para “assuntar” na murretinha. As figuras típicas da “muretinha” eram os saudosos Poka, Lisão, Bikudo, Tuka com suas “coisinhas”, entre todos que descansavam as pernas na “muretinha” usada como “banco no Banco Banespa”.

  Migué tinha na “muretinha” um lugar cativo para sentar e falar das notícias da cidade e do mundo, ao derrubar a muretinha seu banco de repouso tornou-se a escadaria da “Farmaxima”, ou nos degraus da loja da Dorothy Moreli. Adorava “noticiar notícias noticiadas”, principalmente de saúde. Falava, falava, falava e não deixava ninguém falar, enquanto não termina sua notícia, vista sempre no Globo Repórter ou Ana Maria Braga, seus programas preferidos. 

  
Saindo do Rocha na Rua Monte Castelo, depois de horas de prosa com  "Edson Celulari", como carinhosamente chamava o amigo Juvenil da Rocha. Foto Arquivo A.R 2008



   Foi um dos últimos “Papai Noel” da Avenida Esther, com sua barba branca, voz grossa de tanto fumar, não precisava incorporar o personagem, só ter controle na hora de entrar as balas, por causa da sua diabetes, e uma boa sombra ao “verão natalino cosmopolense”. “Isso aqui “suá” mais que bunda de padeiro”, brincando sobre a roupa de veludo grosso, típica do Papai Noel.

   Antes de “aparecer” em Cosmópolis, Miguélzinho foi figura de destaque na cidade de Campinas, nome respeitado na aérea comercial e alta sociedade campineira nas décadas de 60 e 70, apelidado de o “Rei do Jeans”. O apelido surgiu por ser um dos maiores varejistas de calças jeans da região central. Sua loja na Avenida Treze de Maio, próximo à antiga Casa Campos, era uma referência para comprar as famosas calças Lee e Staroup.

  Foi conselheiro e fanático torcedor futebolista da Ponte Preta, até um dia brigar com Emerson Leão, então goleiro do Palmeiras, que disputava contra a “Macaca” em Campinas. Migué desconcentrou o goleiro Leão brincando sobre sua masculinidade, dando vantagem para um gol da ponte. Advertido pela presidência, foi suspenso do clube, pegou “raiva” , quando viu o goleiro e jogadores da Ponte todos juntos tomando uma choupada animada no Giovanetti. Assim me disse um dia: “Trouxa é quem se mata por time de futebol, a paixão de jogador é dinheiro e não bola”.

   Participou ativamente da sociedade campineira, atuando na Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC), entidades filantrópicas e grupos religiosos, até...praticamente mudar de vida totalmente, com as mulheres , jogos e bebidas. Perdeu tudo, sozinho, sem família e amigos, encontrou em Cosmópolis um abrigo e uma nova família no Asilo e pelas ruas da cidade.

   Há cerca de 6 anos, uma irmã descobriu onde Migué estava, os irmãos estavam separados por “coisas da vida” por mais de 30 anos . Sua irmã saiu de Campinas na década de 70, tornando-se empresaria em Caraguatatuba. “Vivi e revivi na vida, comecei e recomecei, não me arrependo de nada. O importante nisso, em perder tudo, é saber quem é amigo de verdade. Só assim, se f.. para saber quantos amigos são amigos de você e, não do seu dinheiro”. Assim ele me disse, e guardo a frase como uma lição d real da vida.

  Descanse em paz “Véio Migué”, por mais que fosse seus pecados a balança de São Miguel, irá pender por suas virtudes e bondades. Saudades dos vários e vários amigos que deixas em Cosmópolis. Vai com Deus Miguel, seus amigos Zé Honorato, Juvenil da Rocha, Arthur Suzan, Valter da Farmácia, entre tantos saudosos amigos cosmopolenses aguardam a sua chegada à casa do Pai.

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