terça-feira, 27 de junho de 2017

ADEUS AO MESTRE BERTO TONUSSI

70 anos dedicados à barba,cabelo e bigode




    Cosmópolis diz adeus ao filho Roberto Tonussi, o popular Berto Barbeiro. Um dos mais queridos “Reis da Tesoura”, faleceu na manhã de domingo (26), aos 86 anos de idade. Berto era o mais antigo comerciante, ainda em atividade, na cidade.
Foram 70 anos dedicados ao nobre ofício da barbearia, suas tesouras permaneceram afiadas, as lâminas da navalha em fio, até seus últimos dias de vida. Berto deixa viúva Leonilde Marques de Souza Tonussi, com quem esteve casado durante 64 anos, o filho José Roberto, casado com Maria Giuzio (professora de piano Mariazinha), netos e bisnetos.
  
A Barbearia Tonussi estava instalada em um espaço adaptado, criado em sua casa na rua Baronesa Geraldo de Rezende. Antes da mudança, um dos seus endereços mais conhecidos foi na Rua Expedicionários, em frente ao Banco Caixa Econômica. Neste local, a Barbearia permaneceu quase 20 anos.
  Sem herdeiros na profissão, o último Tonussi barbeiro encerra 91 anos de história comercial, iniciada pelo patriarca João Tonussi, com a abertura do salão na Avenida Esther em 01 de maio de 1926.

SALÃO DE BARBEARIA TONUSSI E FILHOS
  No fim do século 19, chega na região do bairro Capela, o casal de imigrantes italianos Santa Carandina e Ferdinando Tonussi. Traziam na bagagem a esperança de uma nova vida, como também os objetos que transformariam a história da família: pente, tesoura e uma navalha.


As mãos calejadas pelo árdua trabalho nas lavouras de café, ensinam as primeiras lições de barbearia ao filho João. Apaixonado pelo ofício, o jovem começa a cortar cabelo, barba e bigode dos colonos nas fazendas próximas ao sítio da família.
Em uma passagem na Villa de Cosmópolis, João recebe uma proposta comercial do barbeiro Isidro Sanches. O imigrante espanhol iria para São Paulo, colocando à venda sua antiga barbearia na Avenida Ester.

A clientela já era fixa, o salão muito bem montado e localizado, dois quarteirões da Estação de trens da Sorocabana, abaixo da Igreja Matriz de Santa Gertrudes. O local exato, ficava entre os atuais banco Santander e Bradesco.
Recém casado com Inês Antoniolli, João decide vender tudo que tinha para comprar a barbearia, começando uma nova vida na Villa. Sua decisão foi criticada pela família, sendo considerado como louco e aventureiro.

Livro caixa da Barbearia Tonussi, o famoso caderno de contas . O livro marca a inauguração do salão em 1926


 Para melhor atender os clientes, embarca para São Paulo, onde faz um aperfeiçoando na capital. Em pouco tempo seu trabalho começa a ser reconhecido, tornando-se destaque entre as várias barbearias da Villa de Cosmópolis.

O movimento, principalmente no sábado (dia de folga dos colonos da Usina), formava enormes filas na pequena barbearia, a clientela aumentava a cada dia. João decide ensinar aos filhos o oficio de barbeiro.

Eram oito filhos homens, todos aprenderam a cortar cabelo e afeitar barba e bigode, como dizia na época. Inicialmente acompanham o pai, os filhos Fernando, Pedro e Ponciano Tonussi.
Na Avenida Ester, esquina com a Rua Santa Gertrudes, João compra uma outra propriedade, na qual inaugura a nova barbearia. Neste local, atualmente funciona a Sorveteria Palácio.

BARBEARIA E ELETRÔNICOS
 Os filhos começam a seguir outros rumos, aperfeiçoando-se em novas profissões. Impulsionado pelos irmãos José e Ponciano, que aprenderam eletrônica acompanhando as publicações da “Revista Carioca”, Pedro e Fernando tornando-se habilidosos técnicos.
Ponciano começa a trabalhar como funcionário público na Coletoria Estadual.

José muda-se para São Paulo, onde estuda e dedica-se totalmente ao conserto de rádios e televisores.Acompanhando o irmão seguem Pedro e Fernando, voltando formados para Cosmópolis, onde inauguram a primeira oficina técnica da cidade.

Pedro e Fernando são considerados os pais da eletrônica em Cosmópolis. No passado, os irmãos eram referências regionais no conserto de televisores, rádios, vitrolas, grafonolas e na instalação de antenas e, até, na fabricação de aparelhos de rádios.
Em 1947, aos 16 anos, iniciava oficialmente na profissão um dos irmãos mais novos, era o jovem Roberto. Ao lado do pai, Berto Tonussi criava suas próprias técnicas, conquistando clientes e aumentando a freguesia.

O jovem mostrava agilidade nas mãos, tinha o pulso firme e olhar atendo a cada detalhe no corte. Predicados que o acompanharam nos 70 anos de profissão

BERTO DOS CABELOS, BARBAS E BIGODES
 Com o falecimento do pai, a inevitável partilha dos bens entre os irmãos, o imóvel da Barbearia era então vendido.

Berto seguia com a barbearia em novos endereços, trabalhando sempre nos arredores da sua querida Avenida Ester, seu berço de nascimento e profissão.
Nas mudanças acompanhavam seus objetos de profissão e os centenários móveis, como as cadeiras da Irmãos Campanille. Em seus confortáveis acentos de couro puro, suas habilidosas e precisas mãos fizeram a cabeça de gerações de cosmopolenses.

Construídas em ferro forjado e madeira nobre, possuíam ricos entalhes no madeiramento, com destaque aos adornos, como os icônicos pés de leão em bronze. No lado direito, ficava pendurado o couro de anta, utilizado para manter o fio da navalha.
Nas penteadeiras, pintadas no famoso tom azul Usina Esther (alusão a cor dos madeiramentos das casas de colonos), suas inseparáveis ferramentas de profissão.

Objetos, utensílios utilizados pelo hábil barbeiro nos 70 anos de profissão


 Sempre organizados com total esmero e minúcia, ficavam tesouras especificas para os mais diferentes tipos de cabelo e acabamento, borrifadores de água e talco, pentes feitos de baquelite e osso, escovas de limpeza e pincéis confeccionados com crinas de cavalos.
Para fazer a típica espuma de barbear, um pequeno recipiente esmaltado, onde uma resistência esquentava a água e preparava o produto.
Seguindo as exigência sanitárias, a navalha virou decoração, utilizando somente laminas Wilkinson descartáveis. A modernidade também aposentou a máquina manual de corte, dando lugar para a motorizada com vários níveis.

Nas gavetas, com puxadores em acrílico ornamentado, os aventais do cliente (“segura cabelo”), toalhas para secagem e compressa quente de rosto. Entre os espelhos bisotes, onde o cliente observa o mestre, várias prateleiras de vidro.

Em cada espaço, ficavam expostos os produtos para afeitar a barba e bigode, como colônias, loções, alfazema, cremes e enormes frascos de álcool, utilizado para desinfetar os objetos e limpar as mãos.
Nesta penteadeira, em lugar de destaque o velho radinho Motobras, sempre sintonizado em uma emissora de notícias ou programas esportivos. Em um banquinho, inúmeros revistas e jornais esportivos, e a última edição do semanário local, a Gazeta de Cosmópolis.

Na penteadeira, um grosso livro de capa dura, com as folhas amareladas pelos mais de 80 anos. A caderneta de cortes, onde eram registrados os “fiados” da barbearia, costume na época. Nas páginas, dezenas de clientes, ilustres cosmopolenses que hoje nomeiam ruas, avenidas e praças públicas.

Ainda mais preciso que as mãos do mestre barbeiro, eram as horas marcadas no secular relógio Jugmans, pendurado em lugar de evidência. O badalar a cada quinze minutos, ecoado do imponente relógio por todo o salão, registrando o tempo e sua agilidade nos cortes.


Em cada espaço, pedaços da história comercial da família. 


AO BARBEIRO E AMIGO
 Os doutores de medicina utilizam o jaleco branco como um símbolo na sua profissão. Em Cosmópolis, o jaleco branco vestiu durante 70 anos, um dos maiores Doutores na profissão de barbeiro.

Fez parte de uma geração de cosmopolenses praticamente extinta, onde os filhos da terra, honravam sua cidade em todos os setores da vida.

Homem de modos simples, extremamente tímido e reservado, aprendeu somente o básico no Grupo Escolar de Cosmópolis, mas era um renomado mestre na faculdade da vida.
Bacharel em cabelo, barba e bigode, doutor em psicologia.


Sim, igual ao psicólogo em seu consultório, ouvia com paciência as aflições, amarguras e alegrias de cada cliente.

Desconhecia classes sociais, não existia rico ou pobre na barbearia, sentado em sua cadeira todos eram majestades. Até doía a coluna e as panturrilhas, mas atendia com a mesma qualidade no fim do dia, o último como fosse o primeiro freguês.

Vai em paz estimado profissional e pai de família. Por mais que o cabelo, barba e bigode cresçam, sempre estará na cabeça do povo cosmopolense. Adeus Berto Barbeiro...

Texto e fotos Adriano da Rocha
 
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