sexta-feira, 30 de junho de 2017

A DERADEIRA COLÔNIA CANAVIEIRA


SOBRADO VELHO: a última colônia cosmopolense, fora de Cosmópolis
Texto e fotos Adriano da Rocha
Edificadas como moradia de trabalhadores da Usina Ester, a Colônia foi construída no início do século passado



 O intenso tom vermelho nos tijolos à vista, portas e janelas pintadas em um azul único, telhados baixos, pequenos jardins indicando a divisão das casas unidas por paredes. Demarcando as modestas moradias, cercas de bambu e ripas, uma porteira feita de dois troncos de madeira. Flamboyants, sibipirunas, entre outras árvores plantados em uma extensa fileira.


Traços marcantes da Colônia do Sobrado Velho, último conjunto de casas coloniais existente na região. Edificações reminiscentes do maior complexo colonial do estado de São Paulo, construídas pela Usina Esther no início do século passado.






Localizada em território pertencente a cidade de Americana, a Colônia está há 8 quilômetros distante de Cosmópolis. Seguindo o mesmo processo que extinguiu as colônias cosmopolenses, a Sobrado Velho somente não foi demolida graças a união dos moradores de Americana. 

Rodovia Rural Ivo Macris (Paulínia/Americana) é o principal acesso á Colônia Sobrado Velho


  Em 2015, um grupo formado por moradores das colônias, membros de organizações culturais, exigiram da prefeitura de Americana a intervenção junto ao Estado, no processo que oficializava a Colônia como patrimônio histórico e cultural paulista.


O CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), ainda não oficializou o tombamento; porém, uma lei criada pela Câmara de Vereadores de Americana, protege as construções, impedindo possíveis demolições e modificações nos imóveis. 

Proteção instalada pelo DER demarca o perímetro entre a Colônia e a Avenida 

Mesmo com a modernidade e pequenas adaptações, as construções ainda preservam a arquitetura original


  A região desconhecida por muitos cosmopolenses, preserva em outro município, parte da história de Cosmópolis, principalmente da fase conhecida como “ouro branco paulista”. Uma alusão ao algodão e açúcar produzido na região, responsável por impulsar o Estado como maior produtor mundial do setor. 





Acesso entre caminhos canavieiros


O conjunto de casas é destaque na paisagem da movimentada Rodovia rural Paulínia-Americana. O tortuoso caminho é utilizado como fuga dos pedágios da Anhanguera e Rodovia Zeferino Vaz (SP-332), e acesso ao centro industrial do município. A estrada rural nomeada no passado como Avenida Nicolau João Abdala, está em processo de renome para Ivo Macris, que já nomeia a vicinal rural que liga Americana à Paulínia e Cosmópolis. 

Estrada canavieira de acesso ao antigo estábulo da Usina Ester


  A vicinal é a principal ascensão as Colônias, o acesso à rodovia é feito pela estrada canavieira que liga a Usina ao antigo Estabulo da empresa, ou, através da Ponte de Ferro. O antigo caminho, famoso no passado, percorrido pelos cosmopolenses para irem nas lendárias festas juninas do sitio do Zico Felix.

Na sobra de um gigantesco flamboyant, uma placa demarca o local


Uma placa instalada pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens) demarca aos motoristas o local como Sobrado Velho. O nome, é uma alusão a sede da lendária Fazenda Salto Grande (propriedade rural que originou Americana), distante seis quilômetros da Colônia.


História centenária


As construções seguem o mesmo projeto das extintas colônias cosmopolenses, elaborado pelo “Escritório de Arquitetura e Engenharia Ramos de Azevedo”. As colônias abrigariam os imigrantes de vários países da Europa, vindos ao Brasil para o trabalho agrícola na região, obedecendo uma exigência do estado, firmada com os consulados. 



As casas feitas com tijolos, produzidos em uma olaria próxima a Usina, substituíam rudimentares construções do tempo da escravidão e início dos núcleos coloniais no Estado. Até então, edificadas com madeira e barro prensado.


Em 1898, o renomado escritório, responsável por construções como o Theatro Municipal de São Paulo, Pinacoteca, Catedral Metropolitana de Campinas, foi contratado pela família Nogueira para um série de construções em Cosmópolis e região.


Com a assinatura de Ramos de Azevedo, sendo feita a supervisão das obras pelo Escritório Dumont Villares (pertencente ao sobrinho de Santos Dumont e cunhado de João Manuel de Almeida Barbosa, dono da Fazenda Funil), foram construídos o complexo industrial da Usina Esther, Palacete Irmão Nogueira (conhecido Sobrado, demolido em 2011), Igreja Matriz de Santa Gertrudes (demolida em 1958), estações da Companhia Carril Agrícola Funilense e central de abastecimento da empresa em Campinas (atual Mercadão).






Canaviais e energia elétrica


Com o constante crescimento das produções da Usina Esther, era de extrema necessidade a expansão dos canaviais, como também a construção de colônias para abrigar os novos trabalhadores. Surgia neste período, compreendido do início de 1900 até a década de 1920, inúmeras novas colônias nos entornos dos canaviais da Usina.


Em 1902, na divisa das terras da Usina Esther com a lendária Fazenda Salto Grande, começam a ser edificadas várias colônias. A mais distante da Usina Esther seria a Colônia do Sobrado Velho, construída estrategicamente próxima da linha férrea da Funilense que, seguia para Americana rumo a Vila José Paulino e Campinas.

1907/  Comendador Franz Müller, esposa e filhos, no casarão da Fazenda Salto Grande,em Americana-SP. Acervo PMA


A construção da colônia foi uma parceria oficializada pelo Major Arthur Nogueira com o Comendador Franz Müller, então proprietário do complexo industrial têxtil Carioba, e fundador da Usina Termoelétrica do Salto Grande. 

Vista aérea da Fazenda Salto Grande, com destaque para a represa do Rio Jaguari, responsável por movimentar as turbinas da Usina Termoelétrica do Salto Grande. Registro de 1944 / Acervo E.N.F.A


Nesta parceria, o Comendador arrendou parte das terras da Fazenda Salto Grande para a expansão dos canaviais da Usina Esther. Em contrapartida, a Salto Grande começava a fornecer energia elétrica para as vilas campineiras de Cosmópolis, Arthur Nogueira, José Paulino (Paulínia), Santa Barbara e Americana.


O acordo rentável para ambos empresários, foi oficializado por José Paulino Nogueira, irmão do Major e um dos proprietários da Usina Esther, na época presidente da Câmara de Vereadores de Campinas.

No início da década de 1910, a Villa de Cosmópolis já estava totalmente iluminada, como também os distritos próximos. A progressista vila campineira, possuía energia elétrica e serviço telefônico, gerados pela Salto Grande e interligados pela Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). A parceria duraria até 1929, quando a Salto Grande foi vendida para a CPFL. Uma segunda Usina Termoelétrica foi construída em 1934, a Cariobinha, porém somente fornecia energia aos maquinários do polo têxtil.


Emancipação muda a posição da Colônia
1906/ Vista parcial da Villa Americana, então pertencente como bairro da cidade de Campinas / Foto Acervo Histórico da Prefeitura de Americana-SP



No fim dos anos de 1930, as terras da Colônia Sobrado Velho foram incorporadas ao distrito de Americana, no processo que emancipava Cosmópolis da cidade de Campinas.


Em 30 de novembro de 1944, com a oficialização do decreto lei de emancipação política e administrativa de Cosmópolis, o novo município paulista perdia grande parte do seu antigo território distrital, reduzindo significativamente as terras cosmopolenses.

No mesmo ano, era vendida ao empresário João José Abdala, as terras da Fazenda Salto Grande, assim como todo complexo hidroelétrico e têxtil do grupo Carioba.


Com a posse da Fazenda Salto Grande, o Grupo J.J Abdala começou a investir na produção de álcool e açúcar na Usina São José, construída no Salto Grande. Nesta época o Grupo J.J era uma das maiores corporações privadas da história brasileira, com destaque em vários setores agrícolas.


No fim dos anos de 1940, a Colônia Sobrado Velho começava a ser moradia de funcionários da Usina São José. Os trabalhadores da Usina Ester que residiam na Sobrado Velho eram transferidos para outras colônias.


Modernização da Usina Ester
Este período marcaria a fase de modernização do complexo industrial da Usina Ester, investindo na ampliação das produções e principalmente na concorrência com o Grupo J.J.


Em uma negociação milionária, a família Nogueira adquiria em Limeira a Usina Tabajara, de propriedade do governador Ademar de Barros. A Usina Ester iniciava a década de 1950 como uma das maiores produtoras de açúcar da Americana Latina.


Na região da Colônia do Bota Fogo, eram construídas novas casas para abrigar famílias vindas da Fazenda Cresciumal, em Leme. O açúcar produzido na Usina Ester começava a ser vendido internacionalmente, tornando-se líder de mercado no Estado.


O Grupo J.J Abdala mudava seus investimentos, centralizando somente no complexo hidroelétrico e têxtil da Carioba. A Usina São José mudava seu seguimento, produzindo somente álcool para a indústria de bebidas.






Regresso da Esther e fim da Carioba


No fim dos anos de 1960, a Fazenda Salto Grande e Carioba entram em um período de decadência financeira. As terras da Fazenda são arrendadas novamente para a família Nogueira, a


Colônia do Sobrado Velho volta a abrigar trabalhadores da Usina Ester.
Inúmeras ações trabalhistas, a concorrência de outras tecelagens e principalmente a escassez da mão de obra, começavam a levar a falência do Grupo Carioba. Em 1977, o complexo têxtil do Carioba é fechado permanentemente.
Típica cerca de bambu limita o quintal da casa colonial



União popular



No início dos anos 2000, a Sobrado Velho entra no processo de desapropriação e demolição, o mesmo seguido nas colônias cosmopolenses. Segundo Rosângela Lima Sampaio, proprietária do Rancho do índio e membro da comissão de moradores que impediu a demolição, já estavam sendo feitas até a comercialização de portas, janelas e tijolos das casas. 







  Funcionários da Usina chegaram a desmanchar parcialmente várias casas, caminhão e trator estavam de prontidão para agilizar os trabalhos de demolição.


Com a união dos moradores, exigindo a intervenção do poder público, as obras que destruíram mais de 100 anos de história foram embargadas. As casas destruídas no processo de demolição e saque de materiais, foram reconstruídas pelos moradores e grupos sócio culturais de Americana.
Rosângela de Lima Sampaio, proprietária do icônico Rancho do Índio, uma das principais referência da Colônia na região


“Sem a nossa união, a colônia não existiria mais. Foi uma luta para não deixar tudo isso virar um canavial. Hoje graças a Deus, com apoio da prefeitura e população, a colônia é patrimônio histórico de Americana. O local faz parte do roteiro cultural do município”. Disse Rosângela, que ao lado do esposo Saturnino Sampaio da Silva, o Índio, construíram em 2003 o popular Rancho do índio.

O Bar possui uma construção sem igual na região, atraindo semanalmente um público fiel na Colônia, formado por trilheiros, motoristas, empresários da área industrial, e principalmente ex-colonos da Usina Ester.



Na próxima postagem, a história e fotos do Rancho do Índio. O icônico bar construído ao lado da Sobrado Velho, as margens da movimentada avenida rural.


Texto e fotos Adriano da Rocha

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