Quem foi essa mulher, precursora de 141 anos de histórias
Texto Adriano da Rocha
Anos 1910- Quadro à óleo, retratando Esther na mocidade- Acervo família Coutinho Nogueira |
Há mais de 122 anos, seu nome é referência, marca,
localização, símbolo do progresso industrial, agrícola e municipal. Um nome
imortalizado em grandes empreendimentos, marcante na história do Estado e,
principalmente, na cidade de Cosmópolis.
Esther, com th, ou com t, pela nova ortografia dos anos
1940, enaltecido em velhas placas de ágata, nomeando a principal Avenida de
Cosmópolis, bairro, e a primeira escola infantil municipal.
Em Campinas, é localização no bairro Vila Nova, logradouro
de casas e prédios residências, circunscritos na Rua “Dona Estér Nogueira”.
Imponente, esculpido em gigantescas peças de mármore italiano, ornamentado em letras de bronze, nomeia um dos mais famosos prédios da capital, o modernista “Edifício Esther”.
As homenagens trazem sempre uma dupla menção, a pessoa
Esther, e a marca imortalizada com seu nome, a “Usina Açucareira Ester”.
1949 - Imagem aérea da do complexo industrial e colonial da Usina Ester em Cosmópolis / Foto Acervo paulista da I.N.F.A |
Fundada em 1898, é a mais antiga indústria açucareira das américas,
funcionando interruptamente, há 121 anos. O nome da secular usina e seu grupo
agrícola industrial, são homenagens a Esther Coutinho Nogueira.
Mas quem foi Esther?! Referência diária para milhares de
cosmopolenses, é conhecida avenida e usina, e desconhecida por muitos, a pessoa
homenageada.
“Esther, era de estatura mediana, olhos negros intensos,
pele morena clara, típica nuance e estereótipo paulista. Sempre serena, falava
calmamente, um jeito único, gentil e caridoso. Como era costume na época,
falava e escrevia, em francês, inglês, italiano e espanhol. Assim como o latim,
necessário para acompanhar as missas católicas, as quais, frequentava
assiduamente. Mulher de destaque nos grupos assistenciais, ajudava sem olhar à
quem fosse o desvalido. Foi honrosa filha, progenitora e sobrinha, sempre
enaltecida pelo estremo afeto e amor, como a mãe de toda família.”.
Assim descreve a pessoa de Esther, seu neto, Paulo Nogueira
Neto, em entrevista ao blog do Acervo Cosmopolense, em outubro de 2018.
1930- Esther Nogueira aos 53 anos de idade - Foto acervo Adriano da Rocha |
Esther Nogueira Ferraz, seu nome de solteira, a mais
velha de oito irmãos, filha do casal José Paulino Nogueira Ferraz e Francisca
Coutinho Nogueira Ferraz. Nasceu em um extinto casarão da família, localizado na atual
Rua Barreto Leme, região da agência do INSS, marco do surgimento da cidade de
Campinas.
DUMONTS COMO AMIGOS DE INFÂNCIA
Esther iniciou os estudos no “Colégio Florence”, de
propriedade de Carolina Florence e Hércules Florence, um dos inventores da
fotografia, estudando com as irmãs de Santos Dumont, Francisca e Gabriela. A
jovem Francisca de Paulo Dumont, estava entre suas melhores amigas de infância,
nascidas no mesmo ano.
Terminou os estudos no “Colégio Culto à Ciência”, o qual seu
pai José Paulino, foi um dos fundadores, em sociedade com Antônio Pompeu de
Camargo, Campo Salles, Francisco Glicério, Américo Brasiliense, Prudente de
Moraes Barros, entre outros. Importantes nomes do império,
responsáveis pela proclamação da república, amigos e familiares dos Nogueiras Ferraz.
Nesta mesma escola, seus irmãos mais novos, estudaram com o
jovem Alberto Santos Dumont, genro de João Manuel de Almeida
Barbosa, dono da Fazenda Funil. Propriedade rural, que futuramente, em 1898,
seria instalada a usina com o nome “Esther”, terras que originariam a atual
cidade de Cosmópolis.
FEBRE AMARELA E O AMOR PELA CARIDADE
A grande epidemia de febre amarela, responsável pela morte
de milhares de pessoas em Campinas e região, mudava seu destino em 1889. Ano
marcado pelo alastramento da doença, centenas de pessoas morriam semanalmente
da misteriosa epidemia. Campinas, que estava sendo cogitada como a nova
capital, era dizimada pelas incontáveis mortes.
Seu pai José Paulino, então presidente da Câmara de
Campinas, foi um dos poucos políticos que permaneceram na cidade. Esther,
irmãos e a mãe dona Francisca, ficaram na cidade, unidos com os princípios do
patriarca, ajudando os milhares de doentes.
Esther, com 12 anos de idade, percorria com os irmãos as
ruas, angariando alimentos aos desvalidos doentes, e recursos financeiros para
as obras de saneamento, idealizadas pelo pai.
O frequente contato com os doentes, infecta seus pais, José
Paulino e dona Francisca. O pai, consegue recuperar-se da doença, a mãe não
resistindo as várias sequelas, morre meses depois.
A FAMÍLIA EM PRIMEIRO LUGAR
Esther, era o reflexo e base do pai, permanecendo ao seu
lado na viuvez, abandonou a própria vida pessoal, para cuidar da família. O
primo Paulo de Almeida Nogueira, ficou apaixonado pela marcante personalidade
da jovem, propondo casamento ao seu pai. Esther aceitou, com uma condição,
terminar a criação dos irmãos, e estar sempre na companhia do pai.
1895 - Esther Coutinho Nogueira, com 18 anos, no dia de seu casamento- Foto acervo Adriano da Rocha |
Casou-se aos 18 anos de idade, no mesmo dia do casamento,
uma cerimônia simples realizada na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em
Campinas, os noivos mudaram-se para capital. A residência, o casarão de José
Paulino, localizado em lugar de destaque na Avenida Paulista.
A extinta construção, considerada uma das mais imponentes de
São Paulo, era assinada pelo arquiteto e engenheiro, Ramos de Azevedo. O
mesmo que construiu o Theatro Municipal de São Paulo, Mercadão, Pinacoteca,
Catedral de Campinas, entre outras imortais obras. Ramos de Azevedo, era primo dos Almeida Nogueira, sendo sobrinho da mãe de Santos Dumont.
Em Cosmópolis, Ramos de Azevedo projetou o complexo
industrial da Usina Ester, extintos Palacete Irmãos Nogueira (Sobrado), e
antiga Igreja Matriz de Santa Gertrudes, e o Mercadão de Campinas (então
armazém da Carril Funilense). Entre outras edificações da família Nogueira, sempre
supervisadas, pelo escritório Dumont Villares, pertencente ao sobrinho de
Santos Dumont, associado à Ramos.
USINA AÇUCAREIRA ESTHER E FUNILENSE
Em 1898, com a oficialização das compras da Fazenda do
Funil, surgia um dos maiores empreendimentos industriais do interior paulista,
a construção da Usina Açucareira Esther. O nome, uma homenagem feita pelo Major
Arthur Nogueira, a estimada sobrinha Esther. A Usina tinha José Paulino, e
outros três familiares, como idealizadores e proprietários do audacioso
empreendimento.
O projeto industrial e agrícola, mudaria o cenário e a
história, de toda antiga região do Funil. Para transportar as produções da
Usina Esther e demais fazendas do grupo, foi criada a “Companhia Carril
Agrícola Funilense”, onde eram sócios os Nogueira Ferraz, Coronel Silva Teles, Barão
Geraldo de Rezende e João Manuel de Almeida Barbosa, antigo proprietário da
Fazenda Funil.
Entre as várias locomotivas, importadas da Inglaterra, fabricadas exclusivamente à companhia, uma das principais, recebia o nome de Esther Nogueira. A gigantesca “Maria fumaça”, movida pela combustão de lenha, transportava as produções da Usina, produtos agrícolas dos núcleos coloniais e associados da Funilense, que seguiam destino para Campinas e São Paulo.
Às margens das linhas férreas, surgiam os futuros municípios
de Cosmópolis, Paulínia, Artur Nogueira, Holambra, Engenheiro Coelho, Conchal,
Americana, entre outros municípios da região, formados através dos caminhos
abertos pelas estradas de ferro.
Esther e o esposo Paulo de Almeida Nogueira, rodeada dos filhos e irmãos. Registro feito em Paris-França, em 1908. Foto Acervo família Coutinho Nogueira |
O esposo, Paulo de Almeida Nogueira, foi nomeado como um dos
principais diretores da Usina, sendo responsável pela empresa e demais grupos
agrícolas da família.
Esther, sempre ao lado do esposo, vivia entre São Paulo e
Campinas, residindo na Fazenda São Quirino, mais antiga propriedade agrícola em atividade interrupta do
Brasil, pertencente à família do esposo, e o Sobrado da Usina.
1899 - Esther Nogueira e Paulo de Almeida Nogueira, com o filho Paulo e "Tilinha", irmã de Esther, filha de José Paulino |
Nestes percursos pelas propriedades da família, nasciam os
filhos, Paulo Nogueira Filho e José Paulino Nogueira Neto. Paulo, o Paulito, como
era carinhosamente apelidado pela mãe Esther, destacou-se em várias áreas,
sobretudo a literatura, jurídica e histórica paulista, e a política estadual.
1909/ Paris,França / Os irmãos José Paulino Nogueira Neto e Paulo Nogueira Filho, filhos de Ester - Foto Acervo Família Coutinho Nogueira |
REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932
1944 - Paulito, em fotografia tirada em março de 1944, no sul da Argentina, durante seu exílio imposto pelo ditador Getúlio Vargas - Foto Paulo Nogueira Neto |
Paulito, foi um dos principais líderes da Revolução
Constitucionalista de 1932, utilizando o Sobrado da Usina, como sede de comandos
dos generais e capitães do movimento. O complexo industrial da Usina, mantinha
soldados, chegando até, a serem criados projetos para a fabricação de munições.
Esther, ao lado do esposo e filho, angariavam fundos para financiar o ideal paulista da nova constituição, assim como, destituir o ditador Getúlio Vargas.
1932 - Destaque no mapa de W. Rodrigues, para o front de Campinas, próximo ficava a Usina Ester |
Nos meses da Revolução, Esther fixou residência na São Quirino
e Cosmópolis, devido aos constantes bombardeiros e agitações da capital e Campinas. Na
região, coordenou com o filho Paulito, a campanha “Ouro para o bem de São Paulo”, que
buscava financiar os suprimentos às tropas paulistas. Paulo de Almeida Nogueira, fazia as intermediações junto aos empresários e fazendeiros, angariando altas quantias ao grupo.
Em Cosmópolis, as centrais de arrecadação organizadas com
apoio de Esther e Paulito, ficavam no Sobrado e nas imediações da Estação Sorocabana.
Esther Nogueira Ferraz aos 18 anos de idade- Foto Acervo família Coutinho Nogueira |
Em 12 de junho, completará 142 anos do seu
nascimento. Marcando no dia 06 de novembro de 2018, 77 anos da sua morte, em
1941. Esther faleceu aos 64 anos de idade, em seus últimos anos de
vida, residiu na Fazenda São Quirino. Entre os principais agravantes de sua
morte, o sofrimento pela ausência do filho Paulito, exilado pelo ditador
Getúlio Vargas, no fim da revolução de 1932.
Placa viária em ágata, datada de 1955, exposta na Avenida Ester |
No dia 02 de março, a Usina Ester completou 121 anos de fundação, preservando não
somente sua história industrial e comercial, mas também, a memória de
Esther. São realizadas anualmente as missas em graças as safras e saúde
dos trabalhadores, doações de frutas dos pomares da usina, assim como
ajuda financeira, às entidades filantrópicas, e os tradicionais presentes
de natal aos filhos dos funcionários. No passado, ações realizadas
pessoalmente por Esther.
DESPEDIDA DE ESTHER
Em 06 de novembro de 1941, uma triste quinta-feira, há
exatos 77 anos. Estridente o telefone de baquelite tocava no escritório, a
telefonista transmitia uma mensagem de Campinas.
Com triste pesar, a funcionária da “Companhia Sino Azul”
noticiava à direção da Usina Ester: “Dona Esther Nogueira, acabou de falecer”
Era acionada a velha sirene da Usina, colonos e pessoas da
Villa de Cosmópolis, ficavam alarmados com o incessante som. O povo
cosmopolense, somente ouviu a sirene ecoar daquele jeito, nos tempos da
Revolução de 1932.
A triste notícia espalhava-se, ainda mais que o som
incessante da sirene, ecoando pelos canaviais. Ouvia-se em Arthur Nogueira,
Limeira, Paulínia e Americana.
Pausados toques, dobrando o tom de luto, os sinos do
campanário da Igreja Matriz de Santa Gertrudes, confirmavam a notícia.
Muitos cosmopolenses choravam, sem ao menos conhece-la
pessoalmente. Eram as dores da gratidão, lágrimas em respeito à sua memória,
sentimentos de um povo benevolente, assim como, a matriarca do progresso
regional.
Em comovida homenagem, o jornal “O Estado de São Paulo”,
noticiava com destaque o falecimento de Esther Nogueira.
O renomado professor Nicolau de Morais Barros, sobrinho do Presidente Prudente de Morais, expressava os sentimentos do povo paulista, pela triste perda. Abaixo, trechos da histórica publicação.
“Tinha uma personalidade marcante e de singular relevo.
Oriunda de tradicional família paulista, nasceu em Campinas, e ali cresceu e se
educou. Seu pai, José Paulino Nogueira, campineiro dos mais ilustres, ali
vivera longos anos, amando e honrando sua terra natal, prestando-lhe
assinalados serviços e cobrindo-se de benemerência, durante a epidemia de febre
amarela, como presidente de sua municipalidade.
Proclamada a república, e nomeados ministros Francisco
Glicério e Campos Salles, amigos diletos dos quais nunca se separou, Campinas
se revestiu de galas para receber os filhos vitoriosos.
Coube a menina Esther, então com 12 anos de idade, trajada
de república e ostentando o barrete frígio na cabeça, cingir a fronte de
Glicério com a coroa de louros simbólica, dirigir-lhe uma saudação de glórias,
pronunciada com ênfase e vibração patriótica.
Foi mãe extremosa e desvelada de seus oito irmãos, o mais
novo dos quais contava com meses de vida.
Repartiu-se entre o pai, o marido, os irmãos e os dois
filhos que lhe vieram. Desdobrou-se em carinhos e cuidados, com uns e com
outros, fez-se o centro da família, e tornou-se o ídolo da casa. Um símbolo de
caridade para toda sociedade.
Possuía Dona Esther, em alto grau e perfeito equilíbrio, as
edificantes virtudes femininas. Mas o traço característico de sua
personalidade, a essência de sua formação moral, era a bondade.
Bondade espantosa, irreprimível e transbordante. Bondade que
fluía das palavras que lhe afloravam aos lábios, que irradiava do seu olhar
mortiço e doce, que inspirava os menores atos e gestos de sua vida e que a fez
tão benquista dos que lhe aproximaram.
Muito caridosa, ela praticava a filantropia e de acordo com
o preceito evangélico, escondida e ignorada.
Sua bolsa nunca se fechou a um pedido. Bem poucos, dentro
dos seus íntimos, conheciam a extensa lista dos seu protegidos, aos quais
prodigalizava, além do auxílio pecuniário mensal, interesse solicito e
assistência material e moral.
Dotada de inteligência aguda e clara, e notável memoria, ela
se deleitava em rememorar fatos e episódios dos seus tempos de moça, em
Campinas, e os sabia contar com surpreendente minucia nos detalhes.
Muito sensível aos agrados e carinhos que recebia, não era o
menos aos que se lhe recusavam. Magoava-se, doía-se, mas...perdoava
Presa ao seu leito de dores e sofrimento, por longos e
intermináveis meses, ela teve os males do corpo agravados pela saudade
torturante de um filho ausente, que sonhava rever, antes de fechar os olhos. Quis
o destino que esse sonho não se realizasse!!
A sua morte despertou, na sociedade paulista, um sentimento
generalizado de pesar. O seu funeral, constitui-se de uma tocante consagração,
já pela desusada influência de pessoas amigas, já pela profusão das flores que
envolveram o seu esquife” (...).
Texto Adriano da Rocha
Fotos: acervos família Coutinho Nogueira, Usina Ester, Adriano da Rocha, Shoichi Iwashita, Miler Adamo e Paulo Nogueira Neto
Em memória de Paulo Nogueira Neto (1922 * 2019)
Originalmente publicada no jornal " Gazeta de Cosmópolis", edição especial de aniversário de Cosmópolis, de 30/11/2018.