DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Quem foi essa mulher, precursora de 144 anos de histórias ?
Texto Adriano da Rocha
Início dos anos 1900 - Animação de foto pintura de Esther Coutinho Nogueira
Há mais de 123 anos, seu nome é referência, marca, localização, símbolo do progresso industrial, agrícola e municipal. Um nome imortalizado em grandes empreendimentos, marcante na história do Estado e, principalmente, na cidade de Cosmópolis.
Esther, com th, ou com t, pela nova ortografia dos anos 1940, enaltecido em velhas placas de ágata, nomeando a principal Avenida de Cosmópolis, bairro, e a primeira escola infantil municipal.
Em Campinas, é localização no bairro Vila Nova, logradouro de casas e prédios residências, circunscritos na Rua “Dona Estér Nogueira”.
Edifício Esther, localizado na região da Praça da República, em São Paulo. Inaugurado em 1934, a obra é assinada pelos engenheiros Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho, considerada a primeira edificação modernista do Estado. O projeto foi escolhido através de um concurso, organizado por Paulo de Almeida Nogueira, esposo de Esther Nogueira. O edifício foi criado como nova sede dos escritórios comerciais da Usina Ester, sendo blocos de uso misto, com salas comerciais, escritórios, lojas e apartamentos. O segundo bloco ao lado do Esther, é o edifício Arthur Nogueira. Foto: Shoichi Iwashita
Imponente, esculpido em gigantescas peças de mármore italiano, ornamentado em letras de bronze, nomeia um dos mais famosos prédios da capital, o modernista “Edifício Esther”. Neste edifício, parte de um conjunto de prédios comerciais e residências como o "Arthur Nogueira" e "José Paulino", residiam e frequentavam importantes nomes da cultura e política paulista, como Mário e Oswald de Andrade, Tarcila do Amaral, entre outros importantes nomes das artes e literatura.
Oficialmente inaugurado em 1938, o edifício Esther é o primeiro prédio modernista de São Paulo, localizado na região da Praça da República, foi projetado pelos jovens arquitetos Alvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho. Na mesma região, considerada um dos marcos históricos de São Paulo, estavam localizados os escritórios comerciais e depósitos agrícolas do Grupo Esther.
As homenagens, trazem sempre uma dupla menção, a pessoa Esther, e a marca imortalizada com seu nome, a “Usina Açucareira Ester”.
1949 - Imagem aérea do complexo industrial e colonial da Usina Ester em Cosmópolis / Foto Acervo paulista da I.N.F.A |
Oficialmente fundada em 02 de março de 1898, é a mais antiga indústria açucareira das Américas, funcionando interruptamente, há 123 anos. O nome da secular usina e seu grupo agrícola industrial, são homenagens a Esther Coutinho Nogueira. Cosmópolis surgiu e desenvolveu-se através da Usina Ester e empreendimentos dos grupos agrícolas, férreos e industriais do grupo Ester.
Mas quem foi Esther?! Referência diária para milhares de cosmopolenses, conhecida avenida e usina, e desconhecida por muitos, a história da pessoa homenageada.
“Esther, era de estatura mediana, olhos negros intensos, pele morena clara, típica nuance e estereótipo paulista. Sempre serena, falava calmamente, um jeito único, gentil e caridoso. Como era costume na época, falava e escrevia, em francês, inglês, italiano e espanhol. Assim como o latim, necessário para acompanhar as missas católicas, as quais, frequentava assiduamente. Mulher de destaque nos grupos assistenciais, ajudava sem olhar à quem fosse o desvalido. Foi honrosa filha, progenitora e sobrinha, sempre enaltecida pelo estremo afeto e amor, como a mãe de toda família.”.
Assim descreve a pessoa de Esther, seu neto, Paulo Nogueira Neto, em entrevista ao blog do Acervo Cosmopolense, em outubro de 2018.
1930- Esther Nogueira aos 53 anos de idade - Foto acervo Adriano da Rocha |
Esther Nogueira Ferraz, seu nome de solteira, a mais velha de 8 irmãos, filha do casal José Paulino Nogueira Ferraz e Francisca Coutinho Nogueira Ferraz. Nasceu em um extinto casarão da família, localizado na atual Rua Barreto Leme, região da agência do INSS, marco do surgimento da cidade de Campinas.
DUMONTS COMO AMIGOS DE INFÂNCIA
Esther iniciou os estudos no “Colégio Florence”, de propriedade de Carolina Florence e Hércules Florence, um dos inventores da fotografia, estudando com as irmãs de Santos Dumont, Francisca e Gabriela. A jovem Francisca de Paulo Dumont, estava entre suas melhores amigas de infância, nascidas no mesmo ano.
Terminou os estudos no “Colégio Culto à Ciência”, o qual seu pai José Paulino, foi um dos fundadores, em sociedade com Antônio Pompeu de Camargo, Campo Salles, Francisco Glicério, Américo Brasiliense, Prudente de Moraes Barros, entre outros. Importantes nomes do império, responsáveis pela proclamação da república, amigos e familiares dos Nogueiras Ferraz.
Nesta mesma escola, seus irmãos mais novos, estudaram com o jovem Alberto Santos Dumont, genro de João Manuel de Almeida Barbosa, dono da Fazenda Funil. Propriedade rural, que futuramente, em 1898, seria instalada a usina com o nome “Esther”, terras que originariam a atual cidade de Cosmópolis.
FEBRE AMARELA E O AMOR PELA CARIDADE
A grande epidemia de febre amarela, responsável pela morte de milhares de pessoas em Campinas e região, mudava seu destino em 1889. Ano marcado pelo alastramento da doença, centenas de pessoas morriam semanalmente da misteriosa epidemia. Campinas, que estava sendo cogitada como a nova capital, era dizimada pelas incontáveis mortes.
Seu pai José Paulino, então presidente da Câmara de Campinas, foi um dos poucos políticos que permaneceram na cidade. Esther, irmãos e a mãe dona Francisca, ficaram na cidade, unidos com os princípios do patriarca, ajudando os milhares de doentes.
Esther, com 12 anos de idade, percorria com os irmãos as ruas, angariando alimentos aos desvalidos doentes, e recursos financeiros para as obras de saneamento, idealizadas pelo pai.
O frequente contato com os doentes, infecta seus pais, José Paulino e dona Francisca. O pai, consegue recuperar-se da doença, a mãe não resistindo as várias sequelas, morre meses depois.
A FAMÍLIA EM PRIMEIRO LUGAR
Esther, era o reflexo e base do pai, permanecendo ao seu lado na viuvez, abandonou a própria vida pessoal, para cuidar da família. O primo Paulo de Almeida Nogueira, ficou apaixonado pela marcante personalidade da jovem, propondo casamento ao seu pai. Esther aceitou, com uma condição, terminar a criação dos irmãos, e estar sempre na companhia do pai.
1895 - Esther Coutinho Nogueira, com 18 anos, no dia de seu casamento- Foto acervo Adriano da Rocha |
Casou-se aos 18 anos de idade, no mesmo dia do casamento, uma cerimônia simples realizada na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em Campinas, os noivos mudaram-se para capital. A residência, o casarão de José Paulino, localizado em lugar de destaque na Avenida Paulista.
A extinta construção, considerada uma das mais imponentes de São Paulo, era assinada pelo arquiteto e engenheiro, Ramos de Azevedo. O mesmo que construiu o Theatro Municipal de São Paulo, Mercadão, Pinacoteca, Catedral de Campinas, entre outras imortais obras. Ramos de Azevedo, era primo dos Almeida Nogueira, sendo sobrinho da mãe de Santos Dumont.
Em Cosmópolis, Ramos de Azevedo projetou o complexo industrial da Usina Ester, extintos Palacete Irmãos Nogueira (Sobrado), e antiga Igreja Matriz de Santa Gertrudes, e o Mercadão de Campinas (então armazém da Carril Funilense). Entre outras edificações da família Nogueira, sempre supervisadas, pelo escritório Dumont Villares, pertencente ao sobrinho de Santos Dumont, associado à Ramos.
USINA AÇUCAREIRA ESTHER E FUNILENSE
Em 1898, com a oficialização das compras da Fazenda do Funil, surgia um dos maiores empreendimentos industriais do interior paulista, a construção da Usina Açucareira Esther. O nome, uma homenagem feita pelo Major Arthur Nogueira, a estimada sobrinha Esther. A Usina tinha José Paulino, e outros três familiares, como idealizadores e proprietários do audacioso empreendimento.
O projeto industrial e agrícola, mudaria o cenário e a história, de toda antiga região do Funil. Para transportar as produções da Usina Esther e demais fazendas do grupo, foi criada a “Companhia Carril Agrícola Funilense”, onde eram sócios os Nogueira Ferraz, Coronel Silva Teles, Barão Geraldo de Rezende e João Manuel de Almeida Barbosa, antigo proprietário da Fazenda Funil.
Entre as várias locomotivas, importadas da Inglaterra, fabricadas exclusivamente à companhia, uma das principais, recebia o nome de Esther Nogueira. A gigantesca “Maria fumaça”, movida pela combustão de lenha, transportava as produções da Usina, produtos agrícolas dos núcleos coloniais e associados da Funilense, que seguiam destino para Campinas e São Paulo.
Às margens das linhas férreas, surgiam os futuros municípios de Cosmópolis, Paulínia, Artur Nogueira, Holambra, Engenheiro Coelho, Conchal, Americana, entre outros municípios da região, formados através dos caminhos abertos pelas estradas de ferro.
Esther e o esposo Paulo de Almeida Nogueira, rodeada dos filhos e irmãos. Registro feito em Paris-França, em 1908. Foto Acervo família Coutinho Nogueira |
O esposo, Paulo de Almeida Nogueira, foi nomeado como um dos principais diretores da Usina, sendo responsável pela empresa e demais grupos agrícolas da família.
Esther, sempre ao lado do esposo, vivia entre São Paulo e Campinas, residindo na Fazenda São Quirino, mais antiga propriedade agrícola em atividade interrupta do Brasil, pertencente à família do esposo, e o Sobrado da Usina.
1899 - Esther Nogueira e Paulo de Almeida Nogueira, com o filho Paulo e "Tilinha", irmã de Esther, filha de José Paulino |
Nestes percursos pelas propriedades da família, nasciam os filhos, Paulo Nogueira Filho e José Paulino Nogueira Neto. Paulo, o Paulito, como era carinhosamente apelidado pela mãe Esther, destacou-se em várias áreas, sobretudo a literatura, jurídica e histórica paulista, e a política estadual.
1909/ Paris,França / Os irmãos José Paulino Nogueira Neto e Paulo Nogueira Filho, filhos de Ester - Foto Acervo Família Coutinho Nogueira |
REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932
1944 - Paulito, em fotografia tirada em março de 1944, no sul da Argentina, durante seu exílio imposto pelo ditador Getúlio Vargas - Foto Paulo Nogueira Neto |
Paulito, foi um dos principais líderes da Revolução Constitucionalista de 1932, utilizando o Sobrado da Usina, como sede de comandos dos generais e capitães do movimento. O complexo industrial da Usina, mantinha soldados, chegando até, a serem criados projetos para a fabricação de munições.
Esther, ao lado do esposo e filho, angariavam fundos para financiar o ideal paulista da nova constituição, assim como, destituir o ditador Getúlio Vargas.
1932 - Destaque no mapa de W. Rodrigues, para o front de Campinas, próximo ficava a Usina Ester |
Nos meses da Revolução, Esther fixou residência na São Quirino e Cosmópolis, devido aos constantes bombardeiros e agitações da capital e Campinas. Na região, coordenou com o filho Paulito, a campanha “Ouro para o bem de São Paulo”, que buscava financiar os suprimentos às tropas paulistas. Paulo de Almeida Nogueira, fazia as intermediações junto aos empresários e fazendeiros, angariando altas quantias ao grupo.
Em Cosmópolis, as centrais de arrecadação organizadas com apoio de Esther e Paulito, ficavam no Sobrado e nas imediações da Estação Sorocabana.
Esther Nogueira Ferraz aos 18 anos de idade- Foto Acervo família Coutinho Nogueira |
Em 12 de junho, completará 142 anos do seu nascimento. Marcando no dia 06 de novembro de 2018, 77 anos da sua morte, em 1941. Esther faleceu aos 64 anos de idade, em seus últimos anos de vida, residiu na Fazenda São Quirino. Entre os principais agravantes de sua morte, o sofrimento pela ausência do filho Paulito, exilado pelo ditador Getúlio Vargas, no fim da revolução de 1932.
Placa viária em ágata, datada de 1955, exposta na Avenida Ester |
No dia 02 de março, a Usina Ester completou 121 anos de fundação, preservando não somente sua história industrial e comercial, mas também, a memória de Esther. São realizadas anualmente as missas em graças as safras e saúde dos trabalhadores, doações de frutas dos pomares da usina, assim como ajuda financeira, às entidades filantrópicas, e os tradicionais presentes de natal aos filhos dos funcionários. No passado, ações realizadas pessoalmente por Esther.
DESPEDIDA DE ESTHER
Em 06 de novembro de 1941, uma triste quinta-feira, há exatos 77 anos. Estridente o telefone de baquelite tocava no escritório, a telefonista transmitia uma mensagem de Campinas.
Com triste pesar, a funcionária da “Companhia Sino Azul” noticiava à direção da Usina Ester: “Dona Esther Nogueira, acabou de falecer”
Era acionada a velha sirene da Usina, colonos e pessoas da Villa de Cosmópolis, ficavam alarmados com o incessante som. O povo cosmopolense, somente ouviu a sirene ecoar daquele jeito, nos tempos da Revolução de 1932.
A triste notícia espalhava-se, ainda mais que o som incessante da sirene, ecoando pelos canaviais. Ouvia-se em Arthur Nogueira, Limeira, Paulínia e Americana.
Pausados toques, dobrando o tom de luto, os sinos do campanário da Igreja Matriz de Santa Gertrudes, confirmavam a notícia.
Muitos cosmopolenses choravam, sem ao menos conhece-la pessoalmente. Eram as dores da gratidão, lágrimas em respeito à sua memória, sentimentos de um povo benevolente, assim como, a matriarca do progresso regional.
Em comovida homenagem, o jornal “O Estado de São Paulo”, noticiava com destaque o falecimento de Esther Nogueira.
O renomado professor Nicolau de Morais Barros, sobrinho do Presidente Prudente de Morais, expressava os sentimentos do povo paulista, pela triste perda. Abaixo, trechos da histórica publicação.
“Tinha uma personalidade marcante e de singular relevo. Oriunda de tradicional família paulista, nasceu em Campinas, e ali cresceu e se educou. Seu pai, José Paulino Nogueira, campineiro dos mais ilustres, ali vivera longos anos, amando e honrando sua terra natal, prestando-lhe assinalados serviços e cobrindo-se de benemerência, durante a epidemia de febre amarela, como presidente de sua municipalidade.
Proclamada a república, e nomeados ministros Francisco Glicério e Campos Salles, amigos diletos dos quais nunca se separou, Campinas se revestiu de galas para receber os filhos vitoriosos.
Coube a menina Esther, então com 12 anos de idade, trajada de república e ostentando o barrete frígio na cabeça, cingir a fronte de Glicério com a coroa de louros simbólica, dirigir-lhe uma saudação de glórias, pronunciada com ênfase e vibração patriótica.
Foi mãe extremosa e desvelada de seus oito irmãos, o mais novo dos quais contava com meses de vida.
Repartiu-se entre o pai, o marido, os irmãos e os dois filhos que lhe vieram. Desdobrou-se em carinhos e cuidados, com uns e com outros, fez-se o centro da família, e tornou-se o ídolo da casa. Um símbolo de caridade para toda sociedade.
Possuía Dona Esther, em alto grau e perfeito equilíbrio, as edificantes virtudes femininas. Mas o traço característico de sua personalidade, a essência de sua formação moral, era a bondade.
Bondade espantosa, irreprimível e transbordante. Bondade que fluía das palavras que lhe afloravam aos lábios, que irradiava do seu olhar mortiço e doce, que inspirava os menores atos e gestos de sua vida e que a fez tão benquista dos que lhe aproximaram.
Muito caridosa, ela praticava a filantropia e de acordo com o preceito evangélico, escondida e ignorada.
Sua bolsa nunca se fechou a um pedido. Bem poucos, dentro dos seus íntimos, conheciam a extensa lista dos seu protegidos, aos quais prodigalizava, além do auxílio pecuniário mensal, interesse solicito e assistência material e moral.
Dotada de inteligência aguda e clara, e notável memoria, ela se deleitava em rememorar fatos e episódios dos seus tempos de moça, em Campinas, e os sabia contar com surpreendente minucia nos detalhes.
Muito sensível aos agrados e carinhos que recebia, não era o menos aos que se lhe recusavam. Magoava-se, doía-se, mas...perdoava
Presa ao seu leito de dores e sofrimento, por longos e intermináveis meses, ela teve os males do corpo agravados pela saudade torturante de um filho ausente, que sonhava rever, antes de fechar os olhos. Quis o destino que esse sonho não se realizasse!!
A sua morte despertou, na sociedade paulista, um sentimento generalizado de pesar. O seu funeral, constitui-se de uma tocante consagração, já pela desusada influência de pessoas amigas, já pela profusão das flores que envolveram o seu esquife” (...).
Um dos últimos registros de Esther Nogueira, animado pelo MyHeritage
Texto Adriano da Rocha
Fotos: acervos família Coutinho Nogueira, Usina Ester, Adriano da Rocha, Shoichi Iwashita, Miler Adamo e Paulo Nogueira Neto
Em memória de Paulo Nogueira Neto (1922 * 2019)