sexta-feira, 30 de junho de 2017

A DERADEIRA COLÔNIA CANAVIEIRA


SOBRADO VELHO: a última colônia cosmopolense, fora de Cosmópolis
Texto e fotos Adriano da Rocha
Edificadas como moradia de trabalhadores da Usina Ester, a Colônia foi construída no início do século passado



 O intenso tom vermelho nos tijolos à vista, portas e janelas pintadas em um azul único, telhados baixos, pequenos jardins indicando a divisão das casas unidas por paredes. Demarcando as modestas moradias, cercas de bambu e ripas, uma porteira feita de dois troncos de madeira. Flamboyants, sibipirunas, entre outras árvores plantados em uma extensa fileira.


Traços marcantes da Colônia do Sobrado Velho, último conjunto de casas coloniais existente na região. Edificações reminiscentes do maior complexo colonial do estado de São Paulo, construídas pela Usina Esther no início do século passado.






Localizada em território pertencente a cidade de Americana, a Colônia está há 8 quilômetros distante de Cosmópolis. Seguindo o mesmo processo que extinguiu as colônias cosmopolenses, a Sobrado Velho somente não foi demolida graças a união dos moradores de Americana. 

Rodovia Rural Ivo Macris (Paulínia/Americana) é o principal acesso á Colônia Sobrado Velho


  Em 2015, um grupo formado por moradores das colônias, membros de organizações culturais, exigiram da prefeitura de Americana a intervenção junto ao Estado, no processo que oficializava a Colônia como patrimônio histórico e cultural paulista.


O CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), ainda não oficializou o tombamento; porém, uma lei criada pela Câmara de Vereadores de Americana, protege as construções, impedindo possíveis demolições e modificações nos imóveis. 

Proteção instalada pelo DER demarca o perímetro entre a Colônia e a Avenida 

Mesmo com a modernidade e pequenas adaptações, as construções ainda preservam a arquitetura original


  A região desconhecida por muitos cosmopolenses, preserva em outro município, parte da história de Cosmópolis, principalmente da fase conhecida como “ouro branco paulista”. Uma alusão ao algodão e açúcar produzido na região, responsável por impulsar o Estado como maior produtor mundial do setor. 





Acesso entre caminhos canavieiros


O conjunto de casas é destaque na paisagem da movimentada Rodovia rural Paulínia-Americana. O tortuoso caminho é utilizado como fuga dos pedágios da Anhanguera e Rodovia Zeferino Vaz (SP-332), e acesso ao centro industrial do município. A estrada rural nomeada no passado como Avenida Nicolau João Abdala, está em processo de renome para Ivo Macris, que já nomeia a vicinal rural que liga Americana à Paulínia e Cosmópolis. 

Estrada canavieira de acesso ao antigo estábulo da Usina Ester


  A vicinal é a principal ascensão as Colônias, o acesso à rodovia é feito pela estrada canavieira que liga a Usina ao antigo Estabulo da empresa, ou, através da Ponte de Ferro. O antigo caminho, famoso no passado, percorrido pelos cosmopolenses para irem nas lendárias festas juninas do sitio do Zico Felix.

Na sobra de um gigantesco flamboyant, uma placa demarca o local


Uma placa instalada pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagens) demarca aos motoristas o local como Sobrado Velho. O nome, é uma alusão a sede da lendária Fazenda Salto Grande (propriedade rural que originou Americana), distante seis quilômetros da Colônia.


História centenária


As construções seguem o mesmo projeto das extintas colônias cosmopolenses, elaborado pelo “Escritório de Arquitetura e Engenharia Ramos de Azevedo”. As colônias abrigariam os imigrantes de vários países da Europa, vindos ao Brasil para o trabalho agrícola na região, obedecendo uma exigência do estado, firmada com os consulados. 



As casas feitas com tijolos, produzidos em uma olaria próxima a Usina, substituíam rudimentares construções do tempo da escravidão e início dos núcleos coloniais no Estado. Até então, edificadas com madeira e barro prensado.


Em 1898, o renomado escritório, responsável por construções como o Theatro Municipal de São Paulo, Pinacoteca, Catedral Metropolitana de Campinas, foi contratado pela família Nogueira para um série de construções em Cosmópolis e região.


Com a assinatura de Ramos de Azevedo, sendo feita a supervisão das obras pelo Escritório Dumont Villares (pertencente ao sobrinho de Santos Dumont e cunhado de João Manuel de Almeida Barbosa, dono da Fazenda Funil), foram construídos o complexo industrial da Usina Esther, Palacete Irmão Nogueira (conhecido Sobrado, demolido em 2011), Igreja Matriz de Santa Gertrudes (demolida em 1958), estações da Companhia Carril Agrícola Funilense e central de abastecimento da empresa em Campinas (atual Mercadão).






Canaviais e energia elétrica


Com o constante crescimento das produções da Usina Esther, era de extrema necessidade a expansão dos canaviais, como também a construção de colônias para abrigar os novos trabalhadores. Surgia neste período, compreendido do início de 1900 até a década de 1920, inúmeras novas colônias nos entornos dos canaviais da Usina.


Em 1902, na divisa das terras da Usina Esther com a lendária Fazenda Salto Grande, começam a ser edificadas várias colônias. A mais distante da Usina Esther seria a Colônia do Sobrado Velho, construída estrategicamente próxima da linha férrea da Funilense que, seguia para Americana rumo a Vila José Paulino e Campinas.

1907/  Comendador Franz Müller, esposa e filhos, no casarão da Fazenda Salto Grande,em Americana-SP. Acervo PMA


A construção da colônia foi uma parceria oficializada pelo Major Arthur Nogueira com o Comendador Franz Müller, então proprietário do complexo industrial têxtil Carioba, e fundador da Usina Termoelétrica do Salto Grande. 

Vista aérea da Fazenda Salto Grande, com destaque para a represa do Rio Jaguari, responsável por movimentar as turbinas da Usina Termoelétrica do Salto Grande. Registro de 1944 / Acervo E.N.F.A


Nesta parceria, o Comendador arrendou parte das terras da Fazenda Salto Grande para a expansão dos canaviais da Usina Esther. Em contrapartida, a Salto Grande começava a fornecer energia elétrica para as vilas campineiras de Cosmópolis, Arthur Nogueira, José Paulino (Paulínia), Santa Barbara e Americana.


O acordo rentável para ambos empresários, foi oficializado por José Paulino Nogueira, irmão do Major e um dos proprietários da Usina Esther, na época presidente da Câmara de Vereadores de Campinas.

No início da década de 1910, a Villa de Cosmópolis já estava totalmente iluminada, como também os distritos próximos. A progressista vila campineira, possuía energia elétrica e serviço telefônico, gerados pela Salto Grande e interligados pela Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). A parceria duraria até 1929, quando a Salto Grande foi vendida para a CPFL. Uma segunda Usina Termoelétrica foi construída em 1934, a Cariobinha, porém somente fornecia energia aos maquinários do polo têxtil.


Emancipação muda a posição da Colônia
1906/ Vista parcial da Villa Americana, então pertencente como bairro da cidade de Campinas / Foto Acervo Histórico da Prefeitura de Americana-SP



No fim dos anos de 1930, as terras da Colônia Sobrado Velho foram incorporadas ao distrito de Americana, no processo que emancipava Cosmópolis da cidade de Campinas.


Em 30 de novembro de 1944, com a oficialização do decreto lei de emancipação política e administrativa de Cosmópolis, o novo município paulista perdia grande parte do seu antigo território distrital, reduzindo significativamente as terras cosmopolenses.

No mesmo ano, era vendida ao empresário João José Abdala, as terras da Fazenda Salto Grande, assim como todo complexo hidroelétrico e têxtil do grupo Carioba.


Com a posse da Fazenda Salto Grande, o Grupo J.J Abdala começou a investir na produção de álcool e açúcar na Usina São José, construída no Salto Grande. Nesta época o Grupo J.J era uma das maiores corporações privadas da história brasileira, com destaque em vários setores agrícolas.


No fim dos anos de 1940, a Colônia Sobrado Velho começava a ser moradia de funcionários da Usina São José. Os trabalhadores da Usina Ester que residiam na Sobrado Velho eram transferidos para outras colônias.


Modernização da Usina Ester
Este período marcaria a fase de modernização do complexo industrial da Usina Ester, investindo na ampliação das produções e principalmente na concorrência com o Grupo J.J.


Em uma negociação milionária, a família Nogueira adquiria em Limeira a Usina Tabajara, de propriedade do governador Ademar de Barros. A Usina Ester iniciava a década de 1950 como uma das maiores produtoras de açúcar da Americana Latina.


Na região da Colônia do Bota Fogo, eram construídas novas casas para abrigar famílias vindas da Fazenda Cresciumal, em Leme. O açúcar produzido na Usina Ester começava a ser vendido internacionalmente, tornando-se líder de mercado no Estado.


O Grupo J.J Abdala mudava seus investimentos, centralizando somente no complexo hidroelétrico e têxtil da Carioba. A Usina São José mudava seu seguimento, produzindo somente álcool para a indústria de bebidas.






Regresso da Esther e fim da Carioba


No fim dos anos de 1960, a Fazenda Salto Grande e Carioba entram em um período de decadência financeira. As terras da Fazenda são arrendadas novamente para a família Nogueira, a


Colônia do Sobrado Velho volta a abrigar trabalhadores da Usina Ester.
Inúmeras ações trabalhistas, a concorrência de outras tecelagens e principalmente a escassez da mão de obra, começavam a levar a falência do Grupo Carioba. Em 1977, o complexo têxtil do Carioba é fechado permanentemente.
Típica cerca de bambu limita o quintal da casa colonial



União popular



No início dos anos 2000, a Sobrado Velho entra no processo de desapropriação e demolição, o mesmo seguido nas colônias cosmopolenses. Segundo Rosângela Lima Sampaio, proprietária do Rancho do índio e membro da comissão de moradores que impediu a demolição, já estavam sendo feitas até a comercialização de portas, janelas e tijolos das casas. 







  Funcionários da Usina chegaram a desmanchar parcialmente várias casas, caminhão e trator estavam de prontidão para agilizar os trabalhos de demolição.


Com a união dos moradores, exigindo a intervenção do poder público, as obras que destruíram mais de 100 anos de história foram embargadas. As casas destruídas no processo de demolição e saque de materiais, foram reconstruídas pelos moradores e grupos sócio culturais de Americana.
Rosângela de Lima Sampaio, proprietária do icônico Rancho do Índio, uma das principais referência da Colônia na região


“Sem a nossa união, a colônia não existiria mais. Foi uma luta para não deixar tudo isso virar um canavial. Hoje graças a Deus, com apoio da prefeitura e população, a colônia é patrimônio histórico de Americana. O local faz parte do roteiro cultural do município”. Disse Rosângela, que ao lado do esposo Saturnino Sampaio da Silva, o Índio, construíram em 2003 o popular Rancho do índio.

O Bar possui uma construção sem igual na região, atraindo semanalmente um público fiel na Colônia, formado por trilheiros, motoristas, empresários da área industrial, e principalmente ex-colonos da Usina Ester.



Na próxima postagem, a história e fotos do Rancho do Índio. O icônico bar construído ao lado da Sobrado Velho, as margens da movimentada avenida rural.


Texto e fotos Adriano da Rocha

#Acervo11Anos #MuitoMaisSobreCosmópolis #SobradoVelho #Colônias #AcervoCosmopolense



terça-feira, 27 de junho de 2017

ADEUS AO MESTRE BERTO TONUSSI

70 anos dedicados à barba,cabelo e bigode




    Cosmópolis diz adeus ao filho Roberto Tonussi, o popular Berto Barbeiro. Um dos mais queridos “Reis da Tesoura”, faleceu na manhã de domingo (26), aos 86 anos de idade. Berto era o mais antigo comerciante, ainda em atividade, na cidade.
Foram 70 anos dedicados ao nobre ofício da barbearia, suas tesouras permaneceram afiadas, as lâminas da navalha em fio, até seus últimos dias de vida. Berto deixa viúva Leonilde Marques de Souza Tonussi, com quem esteve casado durante 64 anos, o filho José Roberto, casado com Maria Giuzio (professora de piano Mariazinha), netos e bisnetos.
  
A Barbearia Tonussi estava instalada em um espaço adaptado, criado em sua casa na rua Baronesa Geraldo de Rezende. Antes da mudança, um dos seus endereços mais conhecidos foi na Rua Expedicionários, em frente ao Banco Caixa Econômica. Neste local, a Barbearia permaneceu quase 20 anos.
  Sem herdeiros na profissão, o último Tonussi barbeiro encerra 91 anos de história comercial, iniciada pelo patriarca João Tonussi, com a abertura do salão na Avenida Esther em 01 de maio de 1926.

SALÃO DE BARBEARIA TONUSSI E FILHOS
  No fim do século 19, chega na região do bairro Capela, o casal de imigrantes italianos Santa Carandina e Ferdinando Tonussi. Traziam na bagagem a esperança de uma nova vida, como também os objetos que transformariam a história da família: pente, tesoura e uma navalha.


As mãos calejadas pelo árdua trabalho nas lavouras de café, ensinam as primeiras lições de barbearia ao filho João. Apaixonado pelo ofício, o jovem começa a cortar cabelo, barba e bigode dos colonos nas fazendas próximas ao sítio da família.
Em uma passagem na Villa de Cosmópolis, João recebe uma proposta comercial do barbeiro Isidro Sanches. O imigrante espanhol iria para São Paulo, colocando à venda sua antiga barbearia na Avenida Ester.

A clientela já era fixa, o salão muito bem montado e localizado, dois quarteirões da Estação de trens da Sorocabana, abaixo da Igreja Matriz de Santa Gertrudes. O local exato, ficava entre os atuais banco Santander e Bradesco.
Recém casado com Inês Antoniolli, João decide vender tudo que tinha para comprar a barbearia, começando uma nova vida na Villa. Sua decisão foi criticada pela família, sendo considerado como louco e aventureiro.

Livro caixa da Barbearia Tonussi, o famoso caderno de contas . O livro marca a inauguração do salão em 1926


 Para melhor atender os clientes, embarca para São Paulo, onde faz um aperfeiçoando na capital. Em pouco tempo seu trabalho começa a ser reconhecido, tornando-se destaque entre as várias barbearias da Villa de Cosmópolis.

O movimento, principalmente no sábado (dia de folga dos colonos da Usina), formava enormes filas na pequena barbearia, a clientela aumentava a cada dia. João decide ensinar aos filhos o oficio de barbeiro.

Eram oito filhos homens, todos aprenderam a cortar cabelo e afeitar barba e bigode, como dizia na época. Inicialmente acompanham o pai, os filhos Fernando, Pedro e Ponciano Tonussi.
Na Avenida Ester, esquina com a Rua Santa Gertrudes, João compra uma outra propriedade, na qual inaugura a nova barbearia. Neste local, atualmente funciona a Sorveteria Palácio.

BARBEARIA E ELETRÔNICOS
 Os filhos começam a seguir outros rumos, aperfeiçoando-se em novas profissões. Impulsionado pelos irmãos José e Ponciano, que aprenderam eletrônica acompanhando as publicações da “Revista Carioca”, Pedro e Fernando tornando-se habilidosos técnicos.
Ponciano começa a trabalhar como funcionário público na Coletoria Estadual.

José muda-se para São Paulo, onde estuda e dedica-se totalmente ao conserto de rádios e televisores.Acompanhando o irmão seguem Pedro e Fernando, voltando formados para Cosmópolis, onde inauguram a primeira oficina técnica da cidade.

Pedro e Fernando são considerados os pais da eletrônica em Cosmópolis. No passado, os irmãos eram referências regionais no conserto de televisores, rádios, vitrolas, grafonolas e na instalação de antenas e, até, na fabricação de aparelhos de rádios.
Em 1947, aos 16 anos, iniciava oficialmente na profissão um dos irmãos mais novos, era o jovem Roberto. Ao lado do pai, Berto Tonussi criava suas próprias técnicas, conquistando clientes e aumentando a freguesia.

O jovem mostrava agilidade nas mãos, tinha o pulso firme e olhar atendo a cada detalhe no corte. Predicados que o acompanharam nos 70 anos de profissão

BERTO DOS CABELOS, BARBAS E BIGODES
 Com o falecimento do pai, a inevitável partilha dos bens entre os irmãos, o imóvel da Barbearia era então vendido.

Berto seguia com a barbearia em novos endereços, trabalhando sempre nos arredores da sua querida Avenida Ester, seu berço de nascimento e profissão.
Nas mudanças acompanhavam seus objetos de profissão e os centenários móveis, como as cadeiras da Irmãos Campanille. Em seus confortáveis acentos de couro puro, suas habilidosas e precisas mãos fizeram a cabeça de gerações de cosmopolenses.

Construídas em ferro forjado e madeira nobre, possuíam ricos entalhes no madeiramento, com destaque aos adornos, como os icônicos pés de leão em bronze. No lado direito, ficava pendurado o couro de anta, utilizado para manter o fio da navalha.
Nas penteadeiras, pintadas no famoso tom azul Usina Esther (alusão a cor dos madeiramentos das casas de colonos), suas inseparáveis ferramentas de profissão.

Objetos, utensílios utilizados pelo hábil barbeiro nos 70 anos de profissão


 Sempre organizados com total esmero e minúcia, ficavam tesouras especificas para os mais diferentes tipos de cabelo e acabamento, borrifadores de água e talco, pentes feitos de baquelite e osso, escovas de limpeza e pincéis confeccionados com crinas de cavalos.
Para fazer a típica espuma de barbear, um pequeno recipiente esmaltado, onde uma resistência esquentava a água e preparava o produto.
Seguindo as exigência sanitárias, a navalha virou decoração, utilizando somente laminas Wilkinson descartáveis. A modernidade também aposentou a máquina manual de corte, dando lugar para a motorizada com vários níveis.

Nas gavetas, com puxadores em acrílico ornamentado, os aventais do cliente (“segura cabelo”), toalhas para secagem e compressa quente de rosto. Entre os espelhos bisotes, onde o cliente observa o mestre, várias prateleiras de vidro.

Em cada espaço, ficavam expostos os produtos para afeitar a barba e bigode, como colônias, loções, alfazema, cremes e enormes frascos de álcool, utilizado para desinfetar os objetos e limpar as mãos.
Nesta penteadeira, em lugar de destaque o velho radinho Motobras, sempre sintonizado em uma emissora de notícias ou programas esportivos. Em um banquinho, inúmeros revistas e jornais esportivos, e a última edição do semanário local, a Gazeta de Cosmópolis.

Na penteadeira, um grosso livro de capa dura, com as folhas amareladas pelos mais de 80 anos. A caderneta de cortes, onde eram registrados os “fiados” da barbearia, costume na época. Nas páginas, dezenas de clientes, ilustres cosmopolenses que hoje nomeiam ruas, avenidas e praças públicas.

Ainda mais preciso que as mãos do mestre barbeiro, eram as horas marcadas no secular relógio Jugmans, pendurado em lugar de evidência. O badalar a cada quinze minutos, ecoado do imponente relógio por todo o salão, registrando o tempo e sua agilidade nos cortes.


Em cada espaço, pedaços da história comercial da família. 


AO BARBEIRO E AMIGO
 Os doutores de medicina utilizam o jaleco branco como um símbolo na sua profissão. Em Cosmópolis, o jaleco branco vestiu durante 70 anos, um dos maiores Doutores na profissão de barbeiro.

Fez parte de uma geração de cosmopolenses praticamente extinta, onde os filhos da terra, honravam sua cidade em todos os setores da vida.

Homem de modos simples, extremamente tímido e reservado, aprendeu somente o básico no Grupo Escolar de Cosmópolis, mas era um renomado mestre na faculdade da vida.
Bacharel em cabelo, barba e bigode, doutor em psicologia.


Sim, igual ao psicólogo em seu consultório, ouvia com paciência as aflições, amarguras e alegrias de cada cliente.

Desconhecia classes sociais, não existia rico ou pobre na barbearia, sentado em sua cadeira todos eram majestades. Até doía a coluna e as panturrilhas, mas atendia com a mesma qualidade no fim do dia, o último como fosse o primeiro freguês.

Vai em paz estimado profissional e pai de família. Por mais que o cabelo, barba e bigode cresçam, sempre estará na cabeça do povo cosmopolense. Adeus Berto Barbeiro...

Texto e fotos Adriano da Rocha
 

quarta-feira, 7 de junho de 2017

RESISTINDO AO "PROGRESSO" CANAVIEIRO


SIM, UMA COLÔNIA AINDA PERSISTE
 Texto Adriano da Rocha
Fotos Paola Marques

Resistindo ao "progresso" a Colônia do Sobrado Velho é a última existente em Cosmópolis


   Uma feliz surpresa que afaga os corações da colonada. “Ainda”, resiste ao falso progresso canavieiro as últimas casinhas coloniais da Fazenda Usina Esther. Para alegria dos nossos olhos, principalmente dos corações, recebemos imagens feitas no domingo (04), registrando a derradeira colônia.

Os “clicks” foram feitos por Paola Marques, captando com muita sensibilidade, o grupo de casas que persiste há quase 100 anos o avanço dos canaviais.

A Colônia chama-se Sobrado Velho, alusão a um velho sobrado existente na região. Segundo a lenda, a histórica construção abrigou o Rei Dom Pedro II e sua comitiva, na passagem que a família real fez à caminho de Piracicaba. A descrição do local faço neste texto. Sentado em um dos degraus da alta soleira da casa, foi perguntado ao morador o nome da colônia. Com um sorriso franco ele disse: “Já foi algum nome no passado, hoje o nome exato é nosso lar”.


Nos caminhos do Salto Grande

 
Imponente flamboyant é destaque na paissagem

Caminhos estreitos, entre barracos e muita cana, seguem para Americana na centenária estradinha canavieira. O chão é de terra batida, cascalhada e até bem cuidada, sinal que as colheitadeiras e caminhões de cana transitam sempre na estrada.
Um gigantesco Flamboyant marca o principal acesso as casas, suas raízes saltam do chão. Em seus frondosos galhos um balanço, feito com cordas e um pneu usado. Duas tábuas de peroba usam as raízes como base, é um banco improvisado, com certeza feito por amigos, onde na sobra da árvore “matutam” conversas infindas sobre a vida.
Quem viu nos últimos anos a demolição de mais de 200 casas, colônias do Bota Fogo, Quebra Canela, Saltinho, Cooperativa, e até mesmo o lendário Sobrado dos patrões, ficará emocionado ao ver essas casinhas.



119 anos de história
 
O mesmo projeto elaborado por Ramos de Azevedo  foi seguido em todas as colônias da Usina Esther


As casas seguem o projeto colonial de 1898, elabora pelo renomado escritório de Arquitetura e Engenharia Ramos de Azevedo. A construção é simples, casa de colono não tem luxo, todas as edificações seguem a mesma concepção e material.
Os tijolos são todos aparentes, grandes e vermelhos, feitos de terra “massapé”, na mesma olaria que edificou a Usina Esther e a primeira Igreja Matriz de Santa Gertrudes.


Nas janelas e portas um marcante destaque das coloninhas, tijolos assentados na transversal, um charme na modesta construção. No alto dos telhados, entre as telhas portuguesas, gigantescas antenas parabólicas, trazem um pouco de modernidade ao isolado lugar.

O quintal é imenso, existindo em algumas casas velhos poços d’água (a maioria inutilizado), plantações de hortaliças, legumes, pequenos parreiras de uva e figo, e é claro as icônicas jabuticabeiras.




Azul coloninha
O tom azul no madeiramento das portas e janelas  é a cor marcante nas construções
 
As pesadas portas e janelas, lavradas em madeira de lei (peroba rosa, jacarandá paulista e pinho), conservam o mesmo tom azul claro. A cor padrão das construções na época áurea da Usina, hoje a cor é o símbolo da saudade entre os colonos.

Na entrada das casas muitas plantas e pequenas árvores, sempre ao gosto de cada morador. Em cada casa um capricho diferente no pequeno jardim, formado entre a rua de terra batida e o calçamento das casas.

 
A variedade de flores vai do gosto e capricho de cada colono

Espalham-se pelo chão e seguem crescendo subindo sem destino, flores como craveiras, roseiras, orquídeas do mato, cosmo laranja (popular flor do mato), crista de galo, entre uma infinidade de espécies e aromas, que desabrocham e perfumam todo ambiente.

Mini roseira em flor contrasta entre a parede de tijolo à vista



QUAL SERÁ A DESCULPA DESTA VEZ!!!

Será que sonhei demais, viajei nas lembranças ao escrever esse relato?! Não, com extrema felicidade pode garantir, as palavras descrevem perfeitamente esse “paraíso” perdido.
Você que não é nascido aqui, neste chão cosmopolense pode até dizer: “Mano, você exagerou chamar isso de paraíso”.
 

Mas amigo de outras terras, pode ter certeza, quem aqui nasceu ao ver essas imagens a palavra exata será paraíso.

As lembranças marcantes vividas nestas modestas casinhas, transformam a derradeira colônia, em um local ainda mais perfeito que qualquer outro paraíso do mundo.

Relatei com o olhar da alma, descrito pelo coração, e como diria um colono: “Tudo é igual como antes, o “disgranhento” “progresso” ainda não passou por lá “.

A colônia ainda existe, e agora José qual será sua desculpa e empecilho para não preservar??!!




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terça-feira, 6 de junho de 2017

LUTO COSMOPOLENSE

ADEUS TONINHO DO RANCHÃO  
Texto adriano da Rocha
Fotos Acervo família Leoni
 



  Cosmópolis dá adeus ao filho que marcou a história de inúmeras gerações, principalmente os eternos jovens dos anos de 1970 e 80. Criador de um projeto comercial simples, sem muitos recursos, que inovou, mudou costumes e tornou-se referência regional da cidade, a Lanchonete e Restaurante Ranchão.

Faleceu no início da noite de segunda-feira (5), aos 71 anos de idade, Antonio Carlos Leoni, o popular Toninho do Ranchão. O corpo aguarda os amigos para última despedida no Cemitério Municipal da Saudade, onde às 16 h será feito o translado ao Crematório dos Amarais, em Campinas.
 
Ilustre personagem cosmopolense 

No fim dos anos de 1960, época de revoluções na política, música e costumes, o jovem Toninho Leoni, filho de percursores do transporte em Cosmópolis, resolveu fazer a sua revolução na cidade. O trabalho no comércio da família, a Auto Viação Cosmópolis, não era a predileção do jovem, que via na nova fase da cidade, uma excelente oportunidade comercial.

A pequena cidade transformava-se com a construção em Paulínia da Refinaria do Planalto, a Replan. Milhares de imigrantes chegavam em Cosmópolis, a cidade neste período despontava como um berço para os operários da gigantesca obra, a qual nascia como a maior refinaria da Petrobras no Brasil.
Cosmópolis crescia rapidamente as margens do progresso de Paulínia, antigos barracões dos áureos tempos das tecelagens, casas comerciais, velhos armazéns, eram transformados em hospedarias, pensões e hotéis.

Inovação para os jovens
Para atender a gigantesca demanda de novos moradores, surgiam lojas de roupas e calçados, e muitos bares. Mas, e o divertimento para os jovens na época, que assim como a cidade mudavam seus costumes!?

O divertimento seguia os costumes do interior paulista, dos tempos da velha guarda, algo já “maçante” como dizia a jovem guarda.

A moçada tinha como divertimento dar voltas nos jardins da Praça do Coreto, ouvir e oferecer músicas no serviço de alto falantes, assistir filmes no Cine Theatro Avenida, e reunir amigos para conversar nas esquinas da Rua Campinas, Santa Gertrudes e no largo da Matriz.

Sempre visionário e empreendedor, Toninho resolveu investir tudo que tinha pensando neste público, que jovem como ele, não tinha opções na cidade. Quem tinha carro, raras exceções, buscava divertimento em Conchal, Campinas e até Andradas, movimentando os comércios destas cidades.

O Ranchão da Avenida Ester
O registro do início dos anos 1990, mostra o Ranchão antes do incêndio que destruiu parcialmente o local
 
Com ajuda de amigos e da família, o sonho tornava-se realidade. Em um amplo espaço inutilizado, que no projeto inicial da Villa de Cosmópolis seria uma rua, o novo comércio nascia.

A construção era simples, chão de cimento queimado entre cacos de cerâmica, paredes de tijolo à vista com janelões, vigas de madeira e cimento formavam a estrutura, coberta com telhas de cerâmica e canaletão de amianto. Um verdadeiro rancho paulista, mas pelo tamanho do local, surgia o nome Ranchão.

Lanchonete, restaurante e ponto de encontro
O ambiente era dividido, com espaço reservado para lanches rápidos (preferência dos jovens) e refeições familiares. No enorme salão, contrastavam as disputadas mesas e cadeiras fixas de cimento (iguais às de praças), entre mezaninos de madeira e aço, fornecidos pelo depósito de bebidas do Odair Sala, com o inconfundível logo da Companhia Antárctica.


Nas paredes o inconfundível relógio da Cachaça Velho Barreiro, chamativas propagandas em neon dos cigarros da Souza Cruz e Philips Morris, entre placas de aço da Coca Cola, Fanta Laranja e guaraná Brahma. Outro chamativo na época, era a facilidade da cerveja em lata, então comercialidade pela Skol.

O cardápio era diverso, opções não faltavam para todos os gostos, o cliente escolhia de uma gostosa porção de provolone à milanesa com filé, calabresa acebolada, peixes e frios, aos enormes pratos feitos servidos no almoço e jantar. A padaria Santo Antonio, do Octacílio Padeiro, logo a frente, fornecia os pães especiais para o preparo dos lanches. 

Propaganda do Ranchão no semanário Jornal de Cosmópolis, edição de 1987

 O Ranchão inovava ao mudar o pão de baguete (pão francês comprido), ao montar os lanches no sistema americano, o pão de hambúrguer que conhecemos hoje, uma sensação na época.
Comida, bebida ao som de sucessos ao vivo
 

O tempero caseiro, tipo de mamãe da Usina Esther, os hamburguês feitos artesanalmente, a maestria do Toninho na chapa, assim como no preparo de “coquetéis” e batidas, combinavam perfeitamente com o principal chamariz do Ranchão: a música ao vivo.

Na concepção do espaço, o atrativo aos jovens era a música, apresentada por bandas, cantores e grupos vocais de Cosmópolis e região.

No palco projetado com destaque nos fundos, a acústica era amplificada em todo salão, as apresentações aconteciam de sexta à domingo. Sempre eclético, o palco recebia de artistas consagrados do Blues nacional, pop Rock, samba e sertanejo.
Mas com certeza, a maior alegria do Toninho eram os novos talentos, que tinham no Ranchão sua primeira oportunidade de mostrar sua música.


O fim do Ranchão
Durante quase 20 anos, a Lanchonete e Restaurante Ranchão, foi uma das principais referências cosmopolenses na região. Ponto de encontro de gerações, divertimento para jovens e famílias no fim de semana, local que aproximou casais e uniu corações, assim como a primeira oportunidade de emprego de muitos jovens.


O fim material, já que na memória sempre irá existir, aconteceu depois de um grande incêndio que destruí parcialmente as instalações no fim dos anos de 1990.

O declínio com o incêndio, as constantes crises financeiras brasileiras, fez o ponto comercial ser arrendado, Toninho deixava então a direção do Ranchão. As atividades do lendário Ranchão encerram anos depois.

Demolido no início dos anos de 2000, no local foram construídas pequenas lojas comerciais.
 
O incêndio que virou causo popular 
O fatídico dia trouxe enormes prejuízos ao empresário, mas também gerou um causo que entrou para história popular de Cosmópolis. Toninho, sempre bem humorado, recordava dando risada de um triste engano que aconteceu no dia.
A cidade por não possuir uma corporação de Bombeiros, o único atendimento emergencial no combate à incêndios era prestado voluntariamente pela Usina Ester (continua a mesma coisa há mais de 120 anos).

Ao ser acionada a ajuda na Usina, a pessoa aflita gritava no telefone que o Ranchão estava pegando fogo. Prontamente as equipes da Usina seguiram com destino ao Ranchão, mas não o restaurante, e sim a Colônia do Ranchão, distante quilômetros da sede industrial da Usina.

Em tempos que não existia celular, e muito menos telefone fixo em Colônia, o diretor recebeu os funcionários gritando: Pelo amor de Deus corre que é no Ranchão Restaurante na Avenida Ester, e não na Colônia do Ranchão da Usina. Nas idas e vindas, quando a equipe chegou no local, o Ranchão estava parcialmente consumido pelas chamas.

Adeus Toninho do Ranchão
Aos familiares e amigos, os meus sinceros sentimentos e está modesta homenagem póstuma.

O velho Toninho do Ranchão, tenham certeza fez sua parte, deixando importantes páginas em nossa história comercial, mas principalmente na vida de milhares de cosmopolenses.
Boêmio assumido, nunca teve medo de arriscar tudo que tinha em seus projetos, viveu intensamente sua passagem na terra.
Foi empreendedor, visionário, lutou com a vida para viver o seu modo de vida.
Deixou filhos, familiares, amores e muitos amigos, ficando aqui marcantes histórias que sempre serão perpetuadas em nossas lembranças.

Vai em paz Toninho do Ranchão, vários amigos já aguardam sua chegada no reino do Criador.

Fotos Acervo família Exel Leoni